É uma forma de conhecermos o percurso de vida do biografado, a sua forma de ver o mundo e de nele se integrar, o seu pensamento, as suas motivações, as suas perplexidades, as suas tensões, mas também – e é isso que mais me atrai nas biografias – sobre a história do seu tempo, sobre os espaços em que se moveu e sobre as pessoas (outros escritores?) com que se cruzou, que influenciou e que o influenciaram.
Num artigo escrito na primeira década deste século para a Revista Ler, o poeta e crítico literário Eduardo Pitta deixava dito o seguinte sobre a falta de biografias de escritores no nosso país: «Em Portugal, o género tem duas balizas: as biografias de Fernando Pessoa (1950) e de Alexandre O’Neill (2007), feitas, respetivamente, por João Gaspar Simões e Maria Antónia Oliveira.
No intervalo, cabem as de Camilo Castelo Branco (1961), Raul Brandão (1979) e Eça de Queirós (2001). Cinco títulos em quase 60 anos.» E acrescenta os motivos para esta falha: «As biografias representam sempre um grande investimento: exigem tempo (e o tempo custa dinheiro), perseverança e distância crítica.»
Depois elabora uma lista de 40 autores desde Manuel Teixeira-Gomes até Luís Miguel Nava, sem esquecer Almada, Mário de Sá- Carneiro, Nemésio, Virgílio Ferreira, Torga, Sophia, Jorge de Sena, Agustina, Saramago, David Mourão- Ferreira (…) «Uma dúzia bem escolhida [de entre os nomeados] faria a história do século XX português.
E lamenta o facto de os seus equivalentes ingleses, norte-americanos e franceses estarem biografados, alguns mais de uma vez. No início de 2019, a editora Contraponto anunciou o lançamento de uma coleção de biografias de escritores contemporâneos redigidas por outros escritores.
A primeira que saiu foi «O poço e a estrada – Biografia de Agustina Bessa-Luís» pela escritora Isabel Rio Novo, que li com grande assombro. Não se trata de um romance biográfico como é por exemplo O Susto da própria Agustina baseado na vida de Teixeira de Pascoaes, nem de uma biografia romanceada como é o caso de A Saga de Selma Lagerlöf de Cristina Carvalho.
Não é propriamente uma biografia literária como a de O’Neill, embora tenha como ampla base de apoio a leitura da obra de Agustina por se tratar de uma obra não autorizada.
Embora não tenha sido feito à revelia da família, a Isabel Rio Novo não foi permitido entrevistar a filha, os netos ou os bisnetos da biografada, nem lhe foi franqueada a sua correspondência privada.
Desta forma, Rio Novo desdobrou-se em entrevistas e visitas aos lugares de Agustina, leitura de outras correspondências e de outros escritos e estudou profundamente as 80 obras da escritora – que já lera devotamente enquanto aluna e académica – de onde extraiu conteúdos autobiográficos que incorporam determinados traços da autora ou de pessoas que lhe são próximas.
Livro de grande valor e labor, muito nos dá a saber sobre os meandros de vida (e de feitio) da escritora de Vila Meã, bem como sobre a sua imensa e inimitável obra.
Texto escrito segundo as regras do Acordo Ortográfico de 1990