Numa das conferências organizadas pelo Mosteiro, já lá vão quatro anos, Freitas do Amaral fez um périplo pela História de Portugal, incidindo o seu olhar sobre algumas dinâmicas em que ao longo de vários séculos fomos pioneiros, ou percursores, por comparação com a História europeia.
Só para citar duas: a presença do povo nas Cortes de Leiria de 1254, ou o fim da pena da morte por crimes civis em 1867, primeiro Estado soberano do mundo a fazê-lo. É também um exercício salutar lermos a opinião e os juízos de valor dos outros, os estrangeiros, sobre nós, os portugueses, e sobre Portugal ao longo dos séculos.
Muitas vezes injustos, é certo. Mas também eleva a nossa auto-estima quando no estrangeiro verificamos, por comparação, como nos podemos orgulhar de tanta coisa bem feita em Portugal, que tendemos a menosprezar.
Refiro-me, por exemplo, ao nosso património monumental e natural, muito dele felizmente bem conservado e bem protegido, ao prestígio da nossa arquitectura, à qualidade de muitos dos nossos museus e até da nossa investigação em geral, nas várias áreas científicas.
E se é verdade, por exemplo, que o descontrolo urbano até aos anos 90, e mais recentemente, originou mazelas nas nossas vilas e cidades de uma dimensão tal que dificilmente poderão ser apagadas, a verdade também é que se verifica em muitos casos uma preocupação na intervenção urbana que só pode ter origem numa consciência patrimonial bem estruturada e num saber técnico de muita qualidade.
Um excelente exemplo percursor é o de Angra do Heroísmo e do seu centro histórico.
O sismo de 1980 foi oportunidade para uma reconstrução e reabilitação de grande nível, respeitadora e integradora da sua identidade, que a torna caso estudo em todo o Mundo. Há outros casos felizes da boa consciência patrimonial.
A contestação surgida no início dos anos 90, após a descoberta de mais gravuras em Foz Côa, contra a construção de uma barragem que as ameaçava submergir definitivamente, foi notícia em todo o Mundo e é também um bom exemplo do que de melhor a nossa intervenção cívica pode desencadear.
Entretanto, no reverso da medalha, mostramo-nos impotentes para reverter ou controlar os efeitos da desertificação do interior do país.
Fenómeno que se verifica sobretudo após os anos 60, tendo por causas a emigração e a migração interna, esse mundo de matriz rural, muito assente no viver modesto ou mesmo na pobreza, inevitavelmente se foi desagregando, arrastando consigo toda um património que o enquadrava e o conformava. Essa perda patrimonial parece ser irreversível e tremenda.
Em zonas rurais ou vilas mais solitárias, que nos parecem aliciar pelas suas belezas, a sua bucólica serenidade, o seu casario a necessitar de reabilitação e muitas belíssimas casas ao abandono, mostram-nos que essas regiões são incapazes de aliciar os mais jovens para aí permanecerem e reconstruírem.
Nenhum de nós saberá bem o que fazer, apesar das boas intenções. Apenas que um dia lamentaremos também as opções de desenvolvimento que temos vindo a tomar.