Meu Caro Zé,
Cá estamos, de novo, na silly season e, não querendo fugir ao espírito da época, estava a arrumar uns livros para os netos quando dei de caras com uma tradução portuguesa para os jovens de Os Três Mosqueteiros que, na contracapa salientava, mais ou menos isto: “D´Artagnan disse: então o nosso lema é 'Todos por um e um por todos'”.
Fiquei surpreendido, julgando que era uma má tradução, já que o que estava, desde sempre, no meu ouvido (mas, como vais ver, não nos meus olhos) era o lema 'Um por todos e todos por um'.
Fui investigar e verifiquei que não era erro de linguagem, mas sim que o uso do lema na gíria normal passou a ser o que me ficou no ouvido, constituindo mesmo o lema informal da Confederação Helvética (Suíça).
Dei comigo a pensar: Por que será? Fará qualquer diferença? E pus-me a analisar e a interpretar as duas versões, pondo logo a hipótese de não haver comutatividade entre as duas partes ligadas pela copulativa. E, olha, acho que não há mesmo!
É que, parece-me que 'Um por todos e todos por um', ao pôr o 'Um por todos' antes, coloca o “um” logo ao serviço de todos e a segunda parte garante-lhe que ao fazer isso, o conjunto (todos) também estará ao seu serviço, numa lógica de solidariedade. Então e a frase invertida não quer dizer o mesmo?
Parece-me que não! Ao pôr antes 'Todos por um', o “um” parece o “foco” da frase, garantindo que, se todos estiverem ao seu serviço, então ele estará ao serviço dos outros, fazendo depender a solidariedade ao grupo da garantia de que estes estão antes ao seu serviço.
Em linguagem vulgar diríamos: “só avanço depois de vocês [LER_MAIS] avançarem”, ao passo que, na versão que predomina é, “eu avanço e vocês avançam então também”.
Esta visão está perfeitamente de acordo com uma visão de Aristóteles na Ética a Nicómaco, quando escreve: “embora o bem do indivíduo e da cidade seja idêntico, parece evidente que é melhor defender o do coletivo.
Conseguir o bem da pessoa é sempre desejável, mas conseguir o de um povo é de índole divina”. Estou eu, definitivamente, a defender uma versão sobre a outra, como Aristóteles?
Não, sem antes atender ao perigo latente em cada uma delas.
Na primeira, a prioridade de um leva, no limite, a um egoísmo exacerbado e, na política, à ditadura.
A outra leva à prevalência do bem comum, mas (e esta é a minha única reserva a esta prevalência) corre o rico de anular o indivíduo (como o fez o “marxismo oficial”) e, assim, ignorar a identidade do bem do indivíduo e da cidade explicitada por Aristóteles.
Neste ponto, lembrei-me que na última carta prometia voltar ao problema da e(i)migração. Pois!
D’Artagnan era um “imigrante” no contexto da aristocracia dos mosqueteiros. Talvez por isso, e à cautela, tenha usado a tal primeira versão do lema, ou seja, “só posso ser um dos vossos se vocês me aceitarem primeiro”.
“Todos por um”! Um bom ponto para discutir a e(i)migração depois das férias, não?
Até sempre,
*Professor universitário Texto escrito segundo as regras do acordo ortográfico de 1990