Meu Caro Zé,
Quando pensei na carta que queria escrever hoje estava longe de pensar que ia ter o conteúdo que se segue. É que a leitura do “nosso” (aliás, muito teu) JORNAL DE LEIRIA de 11-07- 2019 trouxe à superfície um tema que já me tocara numa edição prévia, e que, na altura, não desenvolvi, eventualmente por se terem sobreposto temas mais oportunos.
É que este tema, que vou abordar, não é oportuno (no sentido conjuntural) porque é permanente, ou seja, estrutural.
Assim, a tal referência prévia, que eu tinha registado no meu smart phone em 9-06-2019, diz respeito a um artigo sobre política migratória, com o Prof. Jorge Gaspar. Nele se afirma que “uma política migratória séria tem de ser para atrair os melhores”.
Na altura esta afirmação provocou-me algum desconforto, de tal maneira que apontei na memória do aparelho (e vou transcrever sem qualquer crítica, ou seja evidenciando a sensação emotivamente influenciada no imediato à referida leitura) o que segue: “Séria?”.
Onde está a solidariedade? E isto não é nacionalismo puro? E capitalismo selvagem no seu melhor? E isto não agrava as diferenças como o faz todo o “brain drain”?
A menos que os emigrantes (imigrantes do nosso ponto de vista) sejam de países mais ricos…” Estas perguntas vieram outra vez “à baila” no jornal do dia 17-07-2019, que salientava um aumento da imigração de 15% em cinco anos no distrito de Leiria e em que o editorial tinha por título “Venham mais”.
O editorial é muito cauteloso e aberto à solidariedade como o atesta a frase seguinte: “Portugal poderia assumir-se como destino da parte de migrantes que outros não querem receber, pois a verdade é que, além da [LER_MAIS] questão humanitária, precisamos deles, quer para a capacidade produtiva da nossa economia, quer para a sustentabilidade do sistema de Segurança Social”.
E a palavra-chave (e não tenho dúvidas de que no pensamento do Prof. Jorge Gaspar isso também estava presente), que responde em boa parte às minhas preocupações anteriores, está na “questão humanitária”. É que ela não pode ser ancilar aos outros objetivos.
Ela tem de ser inquestionavelmente precedente. É que se o não for, estamos a “usar” os emigrantes como meros instrumentos e isso volta a pôr à tona as minhas preocupações. E, mais do que isso, se se “escolhem” só os imigrantes com capacidades que fazem falta aos seus países de origem (o tal “brain drain”), podemos estar a contribuir para agravar as desigualdades internacionais.
Concordo com o fim do artigo que refere que “com um bom planeamento e políticas corretas de integração, certamente não deveria haver problemas de maior…”
Só que é preciso definir bem o “bom” do planeamento e o que são políticas “corretas” e isso não é fácil, muito menos quando se acrescenta “integração”. O que é “integrar”? “Absorver”? Respeitar diferenças?
Uma coisa eu sei: aqui o “politicamente correto” não vai funcionar em termos de humanismo. Mas como disse, isto não é oportuno: é estrutural e merece continuidade de avaliação.
Até sempre,
*Professor universitário
Texto escrito segundo as regras do Acordo Ortográfico de 1990