A “conceção da realidade através de dois princípios opostos” (in Dic ionário Priberam) é a definição da palavra maniqueísmo. Uma realidade a preto e branco, sem quaisquer matizes. Nós e eles. Bom e mau. Branco e preto.
Esta conceção da realidade torna tudo aparentemente mais fácil de compreender e as decisões mais fáceis de tomar. Mas a realidade é mais complexa. O mundo tem um delicado conjunto de interligações, de sobreposições e de multiplicidades.
Não é possível serrar o mundo a meio e ficar só com as coisas boas de um lado e tudo o que é mau do outro.
O maniqueísmo é, contudo, uma figura frequentemente utilizada. Sobretudo por pessoas de intelecto limitado – que assim reduzem o mundo ao que a sua capacidade abarca – e por demagogos – que exploram a dificuldade dos seres humanos em compreender e levar em conta múltiplos fatores e numerosos efeitos.
Não tendo eu a certeza absoluta em qual destas categorias incluir Donald Trump, não tenho dúvidas que o presidente dos EUA usa o maniqueísmo diariamente.
Um das mais óbvias ocorrências de maniqueísmo trumpiano é o discurso em torno da guerra comercial com a China. De um lado, os bravos e patriotas americanos, com o seu esforço inquebrantável. Do outro lado, os maus chineses que ameaçam o bem-estar dos EUA com a sua batota.
Esta sinopse, que podia ter sido adaptada de uma VHS do Rocky IV, demonstra bem o “nós contra eles”. Mas, na verdade, o que acontece é um aumento do poderio económico (além de político e militar) da China. E esse poderio económico ameaça cada vez mais os EUA e as suas empresas. Não devido a qualquer comportamento desleal face a impolutos americanos, mas sim à tenacidade e imensidão de recursos da China.
O exemplo mais ululante é o ataque feito à Huawei – que parece ter sido suspenso por uns meses. A proibição de transações comerciais com a [LER_MAIS] empresa chinesa visa torná-la mais fraca. Não necessariamente devido ao número de telemóveis que vende (que não é despiciendo) mas devido ao domínio tecnológico da Huawei na tecnologia 5G.
Ou seja, a empresa chinesa é mais competente tecnológic a e comercialmente que as congéneres americanas, o que lhe poderá dar uma supremacia nas infraestruturas 5G em todo o mundo.
Face a isto, os EUA poderão ficar “às escuras”, sem conseguir intercetar dados e escutar tudo o que acontece no mundo. Ou seja, não são os “maus chineses” a fazer batota.
Apenas jogam o jogo que os americanos estabeleceram há anos… e estão a ganhar. Aliás, este recuo de Trump, suspendendo as sanções à Huawei, poderá ser sinal de que o poderio chinês é maior do que pareceria à partida.
Os maniqueísmos trumpianos são apenas uma tentativa desesperada de travar o inevitável: a emergência da China como superpotência a curto prazo. Desta vez, não será o Império do Meio: será O Império.
Professor e investigador
Texto escrito segundo as regras do Acordo Ortográfico de 1990