Era uma onda feliz. Vivia tranquila no seu canto do oceano, onde ia e vinha, porque era esse o seu trabalho: ondear.
Aos fins-de-semana, passeava pela praia e assistia ao pôr-do-sol, adormecia ao luar ou seguia o trajecto de algum barco que lhe despertasse a curiosidade.
Nalguns dias de maior melancolia, divagava ao acaso em busca de alguma garrafa que alguém tivesse lançado ao mar, escondendo lá dentro uma mensagem rabiscada a lápis numa folha velha; nunca encontrara nenhuma mas gostaria de iniciar uma colecção.
Por vezes subia pelo rio acima e passeava à beira das margens, espreitando as árvores e escutando os pássaros; depois regressava ao seu canto do oceano e pensava nos locais que ainda iria conhecer. Houve um dia em que lhe falaram da piscina oceânica. E o seu ondear agitou-se.
Apesar de toda a sua vida ter vivido na água, nunca dera um mergulho. A verdade é que tinha medo de alturas. Mas o seu sonho mais secreto sempre fora voar; sentir-se suspensa no ar; sem chão.
Como os pássaros que via quando passeava pelo rio. Pensava: talvez seja tempo de vencer o medo de alturas, talvez seja o momento de arriscar. ("Quem não arrisca, não chuvisca", dizia a sua avó.)
Todos os dias se lembrava da piscina e da possibilidade de concretizar um dos seus muitos sonhos (era feita em partes iguais de água e sonho); até que certa manhã foi finalmente à piscina. Gostou de ouvir os risos das crianças, de surpreender as conversas preguiçosas dos adultos.
Aquilo que mais admirava nas pessoas era o facto de terem mãos. Podia tocar o mundo, podia senti-lo; mas ao [LER_MAIS] contrário dos humanos, não o podia agarrar. Não o podia pegar com os dedos e envolvê-lo. (Será possível amar aquilo que não se pode pegar?)
Pensava nisto enquanto via as pessoas circularem nas margens da piscina, sorridentes e ruidosas, agitando os braços; algumas nadavam, outras preguiçavam e comiam gelados enquanto sentiam o sol na pele; ou simplesmente olhavam o céu azul, como se procurassem nele algo secreto e decisivo (Será que as pessoas amam o céu azul, apesar de não o poderem agarrar?).
Gostava de pessoas. Gostava de as observar, de as conhecer, de as interpretar; gostava de sentir os seus sonhos, partilhar deles. E desse modo, sonhar. Mas o que a fascinava mesmo quando visitava a piscina era escutar o splash.
Havia sempre alguém que subia ao topo da prancha mais elevada e depois simplesmente saltava.
Encantava-a aquele som do corpo a estilhaçar a água, lançando-a em milhões de gotas que se erguiam desordenada e caoticamente, brilhando ao sol durante um fragmento de segundo; como se fosse um bailado de água, selvagem e descontrolado. Encantava-a aquele chuviscar de gotas.
E sempre que escutava o splash sentia-se mais próxima do dia em que subiria àquela prancha de sete metros e se lançaria no ar sem medo, voando livremente, transformada em milhões de gotas, transformada em puro movimento e voo, transformada em dança.
Ondeando no céu. Agarrando o ar. E talvez gritasse: olha avó, estou a chuviscar.
*Escritor