A gravidez, 9 meses de extrema importância na relação da mãe (pai)-bebé, implicam uma adaptação física e psíquica ao feto em desenvolvimento e constituem uma oportunidade única de mudança e crescimento.
Os pais vão preparando o seu aparelho psíquico para acolher o bebé que vai nascer, imaginando-o, tendo fantasias, insónias, dúvidas e muitos questionamentos.
Ingredientes emocionais que, quando presentes, também promovem a construção de um espaço relacional fértil dentro de si próprios, para depois receber o bebé nos seus braços e inter-agir com ele, o bebé real. E o que sabemos hoje é que desde o início do desenvolvimento o bebé tem actividade própria.
É um parceiro activo nas interacções que estabelece com os outros e mostra ser capaz de aprender, desde que à sua volta existam expectativas, emoções e disponibilidade para construir com ele laços, necessariamente laços afectivos.
Progressivamente estes sinais carregam-se de sentido entre ele e a mãe e/ou figura cuidadora, numa comunicação recíproca de desejos, expectativas, mensagens, afectos e conteúdos. Mas também de ausências, de atrasos e desencontros.
Também os pais iniciam um grande processo de desenvolvimento que resulta na existência de um “habitante” no útero materno, mais tarde nos seus braços e logo depois no seu lar e já fora do seu controlo.
Trata-se de um processo que traz tremendas exigências a ambos.
Donald Winnicott, pediatra e psicanalista inglês, defendeu que nesta fase tão precoce do desenvolvimento humano “não há tal coisa como um bebé… sempre que se encontra um bebé, encontra-se o cuidado materno e sem cuidado materno não poderia haver um bebé”.
Existe uma grande reciprocidade e complementaridade entre as competências do bebé, incluindo as competências fetais, e as competências [LER_MAIS] do meio ambiente que o circunda, personificado nas suas figuras cuidadoras.
E à medida que vai crescendo sustentado pelo colo e pelo afecto que esse colo tem, o bebé torna-se mais disponível e interessado no mundo que o rodeia, nos outros e em si próprio e os seus horizontes abrem-se.
Este seu interesse para o exterior radica-se nos movimentos de maturação e transformação que viveu no quadro relacional com os seus progenitores.
Por isso, uma mãe e um pai sozinhos, também não existem. Há sempre um bebé que os investe e os torna pais.
Pais calorosos e receptivos ajudam o bebé a ter experiências de si próprio que são promotoras da sua autêntica individualidade.
É a sua identificação com eles que o vai ajudar a lidar com os conflitos emocionais posteriores e característicos do desejo de viver.
Pelo contrário, pais inseguros e pouco disponíveis introduzem enormes brechas afectivas que vão condicionar o Eu verdadeiro, que se torna pouco disponível para a vida, empurrando-o muitas vezes para anos de silêncio
. Foi assim com a Maria (nome fictício), uma vida de submissão, bom comportamento, responsabilidade extrema e dedicação aos pais, dominados por intensas necessidades narcísicas que projectavam na filha, uma substituta da segurança interior que lhes faltava.
E por isso, Maria não pôde edificar uma segurança própria e genuína.
Hoje adulta sente que nunca pôde confiar nos seus próprios sentimentos uma vez que não era capaz de os reconhecer como seus. Também sente não conhecer bem as suas necessidades ao viver como estranha de si própria.
Será agora o nosso desafio na psicoterapia, uma nova relação, atenta e contentora, que permita em segurança e com afecto, o encontro com o seu verdadeiro EU.
*Psicóloga clínica e psicoterapeuta