De há uns dias para cá, olhando o mundo a acontecer, movem-se-me no pensamento os conceitos de liberdade, livre arbítrio, inteligência e empatia, num exercício de entendimento, articulação e confluência que lhes encontre a verdadeira dimensão e o pleno uso.
Se por um lado todos eles se constituem como temas de altíssima filosofia, e/ou ciência, discutidos ao longo de séculos, e passíveis de o continuarem a ser para sempre, dada a dificuldade de conciliar opiniões, eles são por outro lado o que nos move nos actos e disposições básicas do dia-a-dia, e quase nunca motivos de reflexão por parte do comum dos mortais.
De forma minimalista, trivial, e silenciosa, orientamos com eles a vida, e com ela o mundo, quase sem darmos por isso; uma espécie de bater de asas de borboleta a redundar em ciclone.
Se considerarmos que liberdade é algo exterior a nós, que livre arbítrio e empatia nos são interiores, e que a inteligência é algo físico, inato, e simultaneamente adquirido, não restam dúvidas que nós, seres humanos, somos detentores de absolutamente todas as oportunidades, soluções, e instrumentos necessários para sermos, todos, muito felizes uns com os outros, sem quaisquer dificuldades.
O paraíso na terra é pois uma possibilidade absolutamente real. Infelizmente, num modus operandi em tudo semelhante ao de uma doença auto imune, parece termos desenvolvido a capacidade de usar esses instrumentos perfeitos contra nós.
Confundimos livre arbítrio com liberdade, esquecendo naquele o difícil papel da vontade (no sentido de tomada de posição), e [LER_MAIS] da consciência; consideramos que empatia é o mesmo que gostar de alguém à primeira vista, não percebendo a dificuldade, e a importância, da necessidade de compreensão do que não nos é próximo, ou fácil, ou mesmo agradável; e invocamos a inteligência para nos superiorizarmos, para nos distinguirmos arrogantemente do outro, sem conseguir perceber que é nesse preciso momento que colocamos os limites à nossa inteligência.
Em assomos de liberdade em causa própria, usando-a como bandeira com direito a flutuar mais alto, atropelamos os outros brandindo os nossos direitos de ser, de dizer, de fazer, e de ter coisas, e raiva e fúrias.
Consideramos que as nossas razões e verdade são as melhores (e são-no para nós, ou não as escolheríamos), e não conseguimos aceitar que os outros sete milhões e meio tenham também razões e verdades tão boas quanto as nossas, e que talvez fosse interessante e útil atentar nelas, mesmo sem as perfilhar.
Sobretudo, sabemos exactamente como os outros devem fazer para que fique bem feito, e sabemos claramente tudo o que os outros fazem de errado, conhecendo quase sempre as razões do erro, ancoradas numa vontade débil, ou numa livre escolha que ainda não viu a luz.
A nossa luz, claro. Sabemos um quase nada sobre empatia.
Encaramos com grande ligeireza o livre arbítrio. Sobrevalorizamos, mas usamos pouco a inteligência. E de tanto usar a palavra, já muitos nem sabem bem o que seja ter, ou não ter, liberdade.
Entretanto, a vida, e o mundo, assim. Do que me caiba de responsabilidade, mea culpa; estou a fazer por melhorar.
*Professora de dança