A coordenadora do m|i|mo está entre as várias gerações que se sentaram perante a objectiva de José Fabião para o clássico retrato de estúdio. Agora que é quase impossível imaginar um mundo sem fotografias, o arquivo do fotógrafo, acumulado no tempo em que a fotografia era momento raro e às vezes solene, parece ainda mais valioso. Sofia Carreira tem o sonho de o tornar acessível ao público, e aberto a pesquisas, em suporte digital. Além dos registos individuais ou em família de milhares de pessoas com ligação ao concelho, inclui imagens da vida social e política de Leiria, com os momentos mais importantes ao longo de décadas, essencialmente no período entre 1939 e 2005.
Os casamentos e baptizados, os momentos entre pais e filhos e os registos para documentos – as chamadas fotografias tipo passe – representam a ligação “mais emocional, mais concreta” ao legado de José Fabião, um diálogo íntimo que pode “potenciar a relação dos leirienses com o Museu”, acredita Sofia Carreira, porque “quase toda a gente foi fotografada naquele ambiente”, primeiro no Bairro dos Anjos e, desde 1976, na Praça Rodrigues Lobo.
O espólio, no entanto, é muito mais amplo. Contempla imagens para catálogos de empresas e reportagens para jornais, enquanto correspondente fotográfico do Record, do Diário de Notícias, d’O Século e d’O Primeiro de Janeiro, montras do comércio tradicional, acidentes (a pedido das companhias seguradoras) e outros instantâneos do quotidiano. “Para a cidade é mais interessante esta vida social e política”, conclui a responsável pelo m|i|mo – Museu da Imagem em Movimento, que ambiciona colocar online e aberto ao público o arquivo de José Fabião, que permite viajar no sentido contrário ao dos ponteiros do relógio como quem entra numa câmara escura para espreitar os dias através de uma janela para o passado. Lá no canto da memória se encontram, por exemplo, a passagem de Humberto Delgado por Leiria em campanha presidencial, as visitas de presidentes da República Portuguesa a Leiria, e mesmo personalidades estrangeiras, como Haile Selassie, antigo regente da Etiópia, e o Papa Paulo VI.
Antes do site é necessária a digitalização e antes da digitalização impõe-se a conservação preventiva e curativa e a inventariação. É o que vai acontecer, agora, a partir de Janeiro. Pela terceira vez, o arquivo é entregue a cuidados, com a colaboração de uma técnica de conservação e restauro, que tinha trabalhado no chamado Fundo Casa Fabião, pela última vez, em 2020.
A contratação para 12 meses acontece ao abrigo de duas candidaturas ao programa da Rede Portuguesa de Museus, com financiamento aprovado no final do ano passado, em 60% do investimento previsto, suficiente para cobrir, também, a aquisição de equipamentos. Por um lado, para controlo de temperatura e humidade, por outro, para eventual congelamento de espécies fotográficas, uma opção técnica nunca exercida nos 25 anos de existência do m|i|mo, segundo Sofia Carreira, que salienta a dimensão do património depositado no museu em 2008 pelos herdeiros de José Fabião: mais de 200 mil espécies fotográficas, de que apenas uma pequena parte – cerca de 5 mil – estão intervencionadas. Existirão 50 mil imagens de reportagem e aproximadamente 100 mil fotografias tipo passe, entre outros registos.
Depois da intervenção em 2019 e 2020, o trabalho “ficou parado”, porque o m|i|mo não tem qualquer técnico de conservação e restauro. Com o apoio da Rede Portuguesa de Museus, volta a ter. Pelo menos, durante 12 meses.
“Acho que estamos no caminho certo”, diz a coordenadora do museu. “Este espólio pode ser muito importante”.
Grande parte encontra-se arrumado de modo intuitivo e prático, sujeito a ordem cronológica. Um dos objectivos é aplicar-lhe organização científica.
Além de fragmentos do vitrinismo no comércio de Leiria que Sofia Carreira considera “muito interessantes”, o arquivo de José Fabião já ajudou, por exemplo, a equipa que organizou no Museu de Leiria a exposição Plasticidade – Uma História dos Plásticos em Portugal, sobre a indústria em que a cidade foi pioneira. E, claro, acompanha a evolução dos costumes. “Casamentos civis, que eram pouquíssimos e já aparecem alguns. E nota-se perfeitamente que são famílias com algum estatuto social”.
A especialista contratada para a nova etapa está a investigar o Fundo Casa Fabião no contexto de estudos avançados na Universidade Nova de Lisboa e, à medida que a intervenção progredir, podem surgir mais teses de mestrado e doutoramento, acredita Sofia Carreira. E, inevitavelmente, exposições. Para 2022, nada existe em agenda, mas a coordenadora do m|i|mo lembra o sucesso da exposição (re)Conhecer Leiria – Memórias e Imagens do Século XX, em 2013, que se baseava, precisamente, nos registos históricos da autoria de José Fabião.