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Boaventura de Sousa Santos: “As sociedades que participaram no colonialismo nunca se libertaram dos preconceitos raciais”

Raquel de Sousa Silva por Raquel de Sousa Silva
Janeiro 3, 2022
em Entrevista
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Boaventura de Sousa Santos: “As sociedades que participaram no colonialismo nunca se libertaram dos preconceitos raciais”
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Defende que temos de pensar em alternativas económicas, sociais, políticas e culturais que, no seu conjunto, nos apontam para novos modelos civilizacionais. Que modelos são estes?

Alguns já não são novos, estavam na calha. É o exemplo da transição energética, que teve de ser acelerada, exactamente porque há consciência que esta crise sanitária tem muito a ver com a crise ecológica, sobretudo com as alterações climáticas. A transição energética tem de ser aprofundada, porque cada vez mais temos de assentar a nossa mobilidade em transportes colectivos. Não faz sentido uma transição energética que numa família de classe média alta resulta em três carros eléctricos, em vez de três a gasolina. Os eléctricos têm uma bateria que é feita com lítio, que continuará a ser explorado. Outra transformação é a que se prende com a relação cidade/campo. Vivemos em sociedades que criaram a ideia de que a cidade é progresso e o campo é atraso. Portugal, sendo tão pequeno, foi um dos países onde isso ocorreu, de maneira brutal. Mas quando veio a pandemia, muitos que podiam refugiaram-se no campo, onde estavam protegidos. Sou exemplo disso, estou desde Março de 2020 na minha aldeia [Quintela] a 30 quilómetros de Coimbra. O campo não é de maneira nenhuma atraso. Devemos privilegiar as pequenas cidades, as aldeias, tê-las equipadas com internet. Viu-se durante a pandemia que quanto maior a cidade pior a incidência da doença. As cidades foram os grandes centros de difusão da pandemia e da mortalidade. Penso que a relação cidade/campo se vai alterar. Penso também que se vai olhar com mais atenção para os centros comerciais e para as grandes superfícies.

 

Porquê?

Em alguns países, como nos Estados Unidos e no Brasil, têm dimensões de cidade, com o ar confinado. Pode-se lá passar o dia todo, são zonas de risco, por isso tiveram de ser fechadas [durante a pandemia]. Isto vai obrigar à criação de mais comércio de proximidade. E mesmo as grandes cadeias têm de ter mais instalações, de tamanho mais pequeno, para não haver tanta aglomeração de pessoas. Muitos sempre lutaram para que não se destruísse o pequeno comércio existente nas cidades. Outra coisa que a pandemia veio mostrar é que o investimento na saúde pública é um grande investimento. Quando a pandemia chegou a Portugal, o sector privado de saúde desapareceu, não quis tratar. O serviço público estava um pouco enfraquecido mas tem feito um trabalho notável. É preciso fortalecê-lo. A pandemia pode ser uma oportunidade. Pode ou não ser aproveitada. Mas hoje, em geral, a classe política não está muito virada para pensar a longo prazo. E esse é que é o problema.

 

Este modelo económico assente no crescimento e no consumo ilimitados não é sustentável…

Não é. Uma das mudanças que já está no terreno é a luta contra aquilo a que chamamos obsolescência programada. Por que é que os objectos duram tão pouco e quando se estragam têm de ser substituídos? Estraga-se o frigorífico e fica mais barato substituí-lo do que consertá-lo. Isto tem de acabar. A União Europeia está agora a desenvolver o princípio do direito à reparação. Aquela foi uma política das empresas para que as pessoas estivessem muito dependentes do mercado. Há moda para quatro estações e está-se a verificar uma obsolescência do vestuário que leva a uma sobrecarga enorme da natureza. Os carros podiam durar 20 anos. Mas duram em média cinco. E desvalorizam com o tempo, quando antes só desvalorizavam com o uso. Hoje podemos ter um carro novo em folha, que não saiu da garagem durante cinco anos, mas desvalorizou. É absurdo.

 

Mas uma mudança de paradigma obrigaria as empresas a não olharem para a sua actividade meramente como geradora de lucros, mas também como geradora de bem-estar social…

A empresa capitalista não tem essa preocupação. Quando se fala de responsabilidade social das empresas normalmente é relações públicas. O empresário, legitimamente, quer maximizar o seu lucro. Tem de haver regulação que o impeça de fazer isso. Por isso é que se criou o Estado, políticas sociais e tributação. O neo-liberalismo, modelo assente no livre comércio, na privatização, no encolhimento do Estado e no privilégio dos mercados, continua a dominar, mas está numa crise tremenda. A pandemia veio mostrar que não foi o sector privado que nos defendeu. Ninguém recorreu aos mercados para se defender, recorreu-se ao Estado. Por isso, outra mudança que prevejo que vai ter lugar é que, quer à direita quer à esquerda, ninguém vai pedir um Estado mais pequeno. Podem dizê-lo, por razões eleitorais, mas não o vão fazer. Os cidadãos querem protecção e para isso é preciso um Estado que esteja minimamente a funcionar. E áreas como a Saúde e a Educação não podem ser totalmente privatizadas, isso seria um absurdo.

 

Falou já na necessidade de se olhar para o campo com outros olhos, até porque a desertificação é um problema em Portugal. O interior pode ser uma alternativa para as pessoas que mal sobrevivem nas grandes cidades?

Sem dúvida. Sempre pensei assim. Num país pequeno como o nosso não faz sentido nenhum que grande parte da população esteja numa faixa de 50 quilómetros junto à costa. Houve realmente uma desertificação muito grande e parece-me que a pandemia veio mostrar que a regionalização é fundamental. Viu-se o papel que os municípios tiveram na luta contar a pandemia. O grande problema da regionalização é descentralizar as funções mas não descentralizar o dinheiro. Se não se descentralizar o orçamento, não vamos ter grande ganho.

 

Combate-se a força gravitacional de Lisboa e do Porto com a actuação de agentes locais ou com políticas do governo central?

Tem obviamente de haver políticas do governo, porque não se podem regionalizar algumas tarefas que são do Estado. Temos agora aí o PRR, mas admito alguma preocupação, porque a informação que vamos tendo é que grande parte dos investimentos vão ser feitos em Lisboa e à volta. Espero que isto não se concretize. Devia haver uma distribuição mais equitativa, também para o interior, com a criação de inovação que permita a fixação com qualidade de vida. Não faz sentido que os estrangeiros continuem a vir para Portugal à procura das boas condições no campo e que nós expulsemos os nossos jovens do campo para as cidades.

 

[LER_MAIS] Daquilo que se conhece do PRR, acredita que as verbas previstas para a ciência e para a educação vão de facto fazer a diferença?

Sou muito céptico a respeito disso. A União Europeia tem vindo a privilegiar a inovação, ou seja, a ciência ligada às aplicações tecnológicas, área onde os países mais desenvolvidos da Europa têm mais vantagens comparadas. Estamos a assistir à instalação de empresas europeias e americanas em Portugal, com o objectivo de se candidatarem aos fundos do PRR. O dinheiro vem a Portugal, mas grande parte dele volta a sair. Isso já aconteceu no tempo de Cavaco Silva. Foi o grande mal dessa governação e desses fundos. Tivemos de destruir os nossos barcos de pesca, a nossa agricultura tradicional. Gostaria que agora as verbas de educação e ciência não fossem tanto para os centros tecnológicos mas para as universidades e para os politécnicos onde se faz investigação fundamental. Sou director emérito do Centro de Estudos Sociais da Universidade de Coimbra, um grande centro de investigação em Portugal e um dos que têm mais projectos na área das Ciências Sociais, onde estamos a ter uma concorrência desleal de Itália, por exemplo, onde as universidades estão a contratar muitos professores e nós não podemos contratar os que gostaríamos.

 

Qual a sua expectativa quanto às próximas eleições legislativas em Portugal?

Espero que haja muita participação, que as pessoas votem de acordo com as suas convicções. Ninguém pense que é uma eleição que está garantida ou que é menos importante. Sou uma pessoa de esquerda e com base nas minhas convicções e na minha experiência como sociólogo acho que se olharmos para todos os indicadores da sociedade portuguesa internacionalmente conhecidos vemos que Portugal passou por um período extremamente difícil entre 2011 e 2015, perdeu PIB, segurança social, aumentou a desigualdade, mas a partir de 2016 e até 2020 houve melhorias, apesar de não muito grandes. Houve uma governação moderada, através daquilo a que se chamou a ‘geringonça’. Em meu entender nenhum partido vai ter maioria absoluta [nas eleições], no nosso sistema é muito difícil. Vai ter de haver entendimentos. Uns preferirão à direita, outros à esquerda. À luz da experiência que tivemos nos últimos anos, acho que seria bom um entendimento à esquerda. Tenho muito medo destes interesses na área da saúde. Esta situação só vai piorar com um governo de direita, diga Rui Rio o que disser. Os interesses do sector privado são já muito fortes dentro do Partido Socialista, mas são ainda mais fortes dentro do Partido Social Democrata. Vamos assistir a uma crescente privatização da saúde. E como parto da ideia de que vamos entrar numa pandemia intermitente, isso será muito mau para Portugal.

 

Tem dito que temos um problema muito grave de racismo em Portugal. Em que é se consubstancia?

Em geral, as sociedades que participaram no colonialismo nunca se libertaram dos preconceitos raciais. Ao longo de séculos foi construída a ideia de que há raças inferiores. Durante muito tempo elas estavam distantes, mas entretanto a Europa teve necessidade de receber gente, porque é um continente envelhecido e colocou-se a questão da imigração. Depois surgiram muitas outras questões e os imigrantes deixaram de ser benvindos e deixam-nos morrer no Mediterrâneo ou criam muros electrificados para que não entrem, como estamos a ver na Europa central e oriental. Tudo isto veio criar a ideia, falsa, mas muito explorada por forças de direita e de extrema direita em Portugal, de que os imigrantes roubam empregos aos portugueses, quando efectivamente vemos que a taxa de desemprego é muito baixa e as empresas queixam-se de não haver pessoal qualificado. Sabemos que os imigrantes que vieram da Síria e do Médio Oriente eram altamente classificados. Temos em campos de internamento na Turquia engenheiros sírios e do Bangladesh, que não são autorizados a entrar devido à miopia da política da União Europeia. O racismo está metido nas relações sociais. Veja-se o comportamento, miserável aliás, de alguns líderes políticos, que têm sido condenados por actuações racistas, e da polícia, que também tem tido comportamentos racistas. Há jovens negros que têm sido assassinados à queima-roupa, como aconteceu com o actor Bruno Candé. É uma sociedade que padece de racismo e o pior é que não quer reconhecer que é racista. O racismo pior é o racismo dos não racistas, daqueles que dizem não ser racistas, mas que ficariam muito perturbados se as suas filhas quisessem casar com um negro. Mais perturbados do que se as suas filhas quisessem casar com outra mulher. Esse é o racismo estrutural. Existe tanto no Estado como fora dele, e é muito perigoso.

 

Como é que se combate?

Com pedagogia. A nossa educação, sobretudo a primária, não tem sido suficientemente activa para lutar contra os preconceitos raciais e para haver melhor integração. Durante algum tempo tivemos turmas especiais para crianças ciganas, isto pode ter a sua utilidade, mas o importante era que fôssemos habituando as crianças a brincar umas com as outras. É uma questão de educação, seja a do sistema de ensino seja a que é transmitida pelas famílias. Mas é obviamente também uma questão de economia política, na medida em que o outro lado do racismo é a sua utilidade. Muitas empresas não conseguem existir sem imigrantes, que são vítimas de racismo, mas cujo trabalho aproveitamos. Neste caso, o racismo baixa o valor do trabalho. Paga-se menos a uma pessoa que é vítima de racismo. Queremos comprar morangos a um preço muito baixo e esquecemo-nos que esse preço é produto do nosso racismo. Depois do escândalo de Odemira melhoraram-se as condições de habitalidade, o que é óptimo, mas as condições financeiras não melhoram muito e seria muito bom que melhorassem. Assim como os salários dos portugueses, porque praticamos dos salários mais baixos da Europa. Era muito importante que abandonássemos de vez uma política de salários baixos, caso contrário nunca saíremos da cepa torta.

 

48 anos de ditadura deixaram na sociedade portuguesa marcas que ainda persistem…

Sem dúvida. Deixaram muitas marcas. Estas do colonialismo, porque fomos o País que durante mais tempo manteve as suas colónias. A educação ditatorial foi muito limitada e muito autoritária nestas questões. E depois do 25 de Abril, não foi suficientemente forte no sentido de criar uma pedagogia de direitos humanos, de igualdade das raças e dos géneros. No que respeita aos direitos das mulheres tivemos algumas vitórias muito significativas ao longo dos tempos, mas isso não aconteceu no que respeita aos preconceitos raciais contra ciganos ou negros e outras populações, como a chinesa. Há muito trabalho a fazer. É um trabalho de economia política, porque tem a ver com salários, e de educação.

 

É coordenador científico do Observatório Permanente da Justiça Portuguesa. Por que motivo temos uma Justiça tão lenta, que muitas vezes não faz justiça?

É uma boa pergunta, para a qual gostava de ter uma boa resposta. Temos tido muito boas reformas, mas que não passam à prática. Pagar uma Justiça não é apenas pagar salários aos magistrados, que são relativamente bem pagos. Mas isso criou uma certa arrogância na classe. Infelizmente, em geral, os nossos magistrados não têm muita responsabilidade cidadã. Não faz sentido que questões de trabalho e administrativas demorem tanto tempo. Somos um País que está a ser alvo de queixas nos tribunais europeus de direitos humanos devido à lentidão da Justiça. A classe dos magistrados tem muitos privilégios, contra os quais não tenho de estar, mas devia haver uma responsabilidade maior, que em meu entender não tem havido. Não é apenas culpa do Ministério da Justiça, há aqui uma lógica de classe, inclusivamente na formação nas universidades de Direito, que não sensibiliza para os direitos humanos e para a igualdade do acesso. Não temos um sistema de defensoria pública que permita que as pessoas possam ter acesso a um advogado sem pagar, como acontece em alguns países. Tem-se lutado para que assim seja, mas a Ordem dos Advogados tem-se oposto terminantemente e tem poder suficiente para isso. Muita gente nem sequer vai a tribunal porque não tem condições de contratar um advogado. A Justiça é cara. Ainda poderia dizer-se que é cara mas eficiente para aqueles que têm acesso, mas nem isso. Há males muito profundos na nossa Justiça. Tem de haver uma profunda reforma. Como vimos, João Rendeiro pôde fugir.

 

Casos como o de João Rendeiro, e outros, fazem crescer entre os portugueses a sensação de que há uma Justiça para pobres e outra para ricos…

É isso que estamos a ver. Realmente, por um lado, há uma Justiça para pobres e uma Justiça para ricos. Mas, in extremis, a Justiça acaba por perseguir e conseguir apanhar aqueles que pensavam ser impunes. Os negócios das privatizações permitiram uma corrupção muito grande e criaram sentimentos de impunidade. Houve pessoas que pensaram que, tendo bons advogados, nunca iriam ser presas. Criaram-se formas de arrogância e de impunidade. Estes casos mais bombásticos mostram que de vez em quando elas também ficam debaixo da lei. Vamos ver o que se vai passar.

 

 

Etiquetas: boaventura de sousa santosentrevistainvestigadorsociólogo
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