Hoje vou falar de mim. Por isso, leiam só esta primeira linha e acabem por aqui.
Tinha 5 ou 6 anos e o meu maior sonho de crescer era poder olhar sobre o balcão da loja da Srª Maria e do Sr. Agostinho, na Opeia.
Do lado de lá, oculto pela altura do balcão, estavam as guloseimas e alguns brinquedos!
Quando somos miúdos, ser velho é ter mais de quarenta anos. Era assim que víamos os nossos avós, professores e pais.
Os professores, então, têm essa experiência única de ver gerações inteiras passarem-lhes à frente, numa gestão de tempo difícil de assumir – os professores a adiantarem-se nos anos e os seus alunos cada vez mais novos, no alargamento inevitável daquilo a que se chama o “fosso geracional”.
Neste “tempo que passa”, diferente para mim ou para o outro, lembro-me como se fosse hoje e foi há quinze anos.
Tentava com os meus alunos da Batalha identificar alguém da vila que era suposto eu conhecer. “Mas que idade tem ele?” – perguntei.
Respondeu-me o Miguel – “Ó professor, ele já é velho, tem para aí uns 45 anos!”. Que era a minha idade então. Acho que ainda gracejei, chamando-lhe “meu malandro” e prometi-lhe uma reprovação só por me estar a chamar velho…
Depois, o “tempo passa” quando encontramos, por exemplo, ex-alunos do 8.º ano a serem nossos colegas, sem saberem bem como nos tratar e nós a enquadrá-los: “Eh pá, agora és meu colega, não me trates por professor!…”
O “tempo passa”, ainda, quando nos apercebemos que já não sabemos bem que música ouvem os nossos alunos, ou que filmes gostam, ou quando deixámos de saber que novas aplicações utilizam nos telemóveis ou nos portáteis, [LER_MAIS] para que servem ou que utilidade têm.
Podemos actualizar-nos, fingir que acompanhamos ou gostamos, mas já não é a mesma coisa.
O “tempo passa” quando, finalmente, nos saturamos de dar aulas, de ver testes, preparar lições, preencher papelada, justificar, programar, avaliar, analisar, reequacionar, propor, esclarecer… e sentimos que, afinal, trabalhámos muito na vida e demos muito aos outros.
Brincamos entre nós, os cinquentões e sessentões, com o “PDI”: menos paciência, lapsos de memória, a vista que menos alcança e exige mais braço para afastar as letras, a dor nos joelhos e cervicais, os treinos de futebol de salão e de bicicleta onde já não queremos novos, porque passam ao nosso lado a mil à hora… e um regozijo infinito pela boa comida, que, por acaso, inexplicavelmente, é a que mais engorda.
Nada para que não fôssemos preparados.
Antes dos 50, sempre alguém nos disse: – “Vais ver quando chegares aos 50!”, e depois “Aos 55 é que se nota a quebra!” e entretanto aos 60 – “Agora é que é! Aproveita enquanto é tempo!
Estás perto dos 70”. O “tempo passa” e o mundo também. Mas sempre iremos repetir a queixa que outros também tiveram de nós – “Estes jovens, estas gerações, não são como antigamente! Não sei aonde nos levam”.
E eu penso que nos levam longe, porque entretanto nos vamos renovando nos filhos que casam e nos netos que nascem. Por falar nisso: fui avô da Leonor!
*Professor