Na volta do calendário que marca um novo ano inspiramo-nos de compromissos. Quase sempre decisões que vimos adiando ano após ano, mudanças de vulto que temos intenção de levar a cabo mas que para as concretizar necessitamos de um ponto marcante de viragem.
Apontamos o instante da passagem de ano como momento mágico para a transformação. Mas acontece que o instante seguinte ao primeiro segundo é o início de outros que se seguem e o tempo para a concretização se estende por mais um ano.
Mal damos por ela estamos de novo na passagem de mais um ano e a comprometermonos, uma vez mais, com as tarefas que adiámos. Como já levo anos suficientes deste engano e outros tantos de desengano, resolvi, por ora, não me comprometer comigo mesmo no que a grandes projetos diz respeito. Quanto muito coisas pequenas e possíveis.
Pequenos gestos como o são todos aqueles de que são feitos os dias, ao invés das grandes mudanças que ficam sempre aquém do nosso comprometimento primeiro. Assumir o possível mais que embarcar na fantasia do irrealizável. Resignação, nunca!
E dos pequenos gestos que falo, arrumar o gesto do tempo parece-me ser dos mais importantes. Acredito que o relógio nos trai mais vezes do que aquelas que damos conta e por via disso amiúde dizemos que andamos a correr contra o tempo.
É uma luta desigual porque por mais que tentemos parar os relógios não conseguimos parar o tempo. Assim, parece-me mais sensato decidir do tempo, do nosso tempo, daquele que dispomos e tão pouco usamos.
Se não veja-se quantos intervalos de tempo gastamos sem fazer nada. Atente-se que não fazer nada é diferente de fazer nada. O primeiro é tempo inútil, o segundo é tempo dedicado a usufruir.
Gastar tempo em fazer nada é o tempo inútil. Aquele que consumimos, por exemplo, basbaques em frente ao televisor no intervalo de um programa a que assistimos. [LER_MAIS] Dez, quando não mais, preciosos minutos em que nos impingem a ideia de mil e um produtos dos quais não temos necessidade e, a mais das vezes, sequer dinheiro para os consumir.
Se reproduzirmos este intervalo de dez minutos ao longo de um programa com dois ou mais intervalos, e se lhe juntarmos outros tantos dispersos pelo dia, fácil é chegar à noite e contabilizarmos uma ou mais horas em que nada fizemos.
Mas fiquemo-nos pelo exemplo dos dez minutos por dia. No final de uma ano teremos gasto mais de sessenta horas de tempo inútil. Mas se alargarmos a amostra para uma hora por dia serão tantas quantos dias que um ano conta. Convenhamos, é muito, mas mesmo muito tempo!
Mas o exercício pode-se fazer em sentido inverso. Aproveitar cada fração de dez minutos de que dispomos para fazer uma qualquer minudência, uma tarefa ou parte dela, adiantar serviço, arrumar os gestos ou as coisas.
Feitas as contas, quando chegar a hora da passagem de ano já teremos ganho umas largas centenas de horas. Tempo útil para fazer nada, um tempo de qualidade. Depois cada um o poderá gastar como mais lhe aprouver.
Mas garantidamente com gosto e a fazer tudo aquilo que adiamos, ano após ano, com a desculpa que não tivemos tempo.
Parece-me um belo projeto para este novo ano. Não será um grande projeto, tão-somente um projeto de coisa possível.
*Psicólogo clínico
Texto escrito segundo as regras do Acordo Ortográfico de 1990