A internacionalização esteve na génese da actividade da PortugalFoods, criada em 2008. Qual é hoje o nível de internacionalização das empresas do sector agroalimentar?
O agroalimentar e a agricultura, vistos como dois sectores tradicionais, tiveram na última década um percurso extremamente importante ao nível dos processos de internacionalização, o que muito se deve àquilo que os clusters vêm fazendo. Já em 1994, quando se investiu no relatório Porter, Portugal olhou para esta dinâmica dos clusters como fundamental para o desenvolvimento. Para surpresa de todos, já então se dizia que o país deveria investir nos sectores tradicionais. No final da primeira década deste século, as estratégias de eficiência colectiva que foram desenhadas levaram a que o agroalimentar pensasse em cluster. Em 2012, a PortugalFoods, juntamente com todas as associações do sector agroalimentar, desenvolveu a estratégia para a internacionalização e propunha, com um conjunto de competências a adquirir, induzir nas empresas esta dinâmica de trabalhar em conjunto e de olhar para os mercados externos como importantes. Na altura estávamos em crise profunda, foi a altura da troika, o que levou as empresas a olhar para fora. Na última década, exportações do agroalimentar cresceram mais de 60%, o que demonstra que atingimos um estágio de presença das empresas portuguesas nos mercados externos que nos colocou num patamar muito satisfatório.
Quanto é que valem as exportações do agroalimentar?
Cresceram de cerca de 3,8 mil milhões de euros em 2010 para 6,8 mil milhões em 2021. Em 2020, ano de pandemia, comparado com 2019, as exportações mantiveram-se no mesmo nível, nos 6,2 mil milhões, o que mostra que sector foi resiliente o suficiente para continuar este caminho.
É um sector que tem um peso importante no total das exportações nacionais…
Sim, 12%, em 2020. Mas se juntarmos ao agroalimentar o sector primário, vê-se que o vinho cresceu, o azeite, as frutas e legumes também, e em dez anos passaram de uma facturação de 700 milhões de euros para 1,6 mil milhões. A dinâmica foi transversal a toda a fileira.
Quais os principais mercados para onde exportamos?
Espanha é o nosso principal comprador, fica com um terço das nossas exportações. Depois temos França, Alemanha e Países Baixos. Nos mercados extracomunitários, temos o Brasil, o Reino Unido e Angola, apesar de aqui se ter perdido presença, devido à crise financeira e cambial, também a China. Moçambique tem alguma importância, Japão e Coreia começam a ter relevância, Estados Unidos e Canadá são também destinos das nossas exportações.
Que novos mercados, de elevado potencial, estão na mira da PortugalFoods?
O sector pensou claramente em diferentes tipologias de mercados. Uma actuação para os chamados mercados maduros, onde temos de ser muito consistentes e manter volume; outra para mercados com forte potencial de crescimento, como os Estados Unidos e o Canadá, o Japão e a Coreia; e ainda outra para mercados emergentes, como Tailândia, Singapura e Vietname. Mercados como Emirados Árabes, Arábia Saudita e Israel começam também a ter alguma importância. Estas, e outras, são geografias que procuram a nossa capacidade de respostas flexíveis. Além do reconhecimento das características dos nossos produtos, vêem Portugal como uma origem que responde a pequenos lotes, a segmentos de nicho, mas que para nós são apesar de tudo um volume considerável. Temos de nos posicionar nestes mercados não como grandes operadores, mas actuando com conceito de nicho e de valor.
No final de Dezembro a PortugalFoods deu por concluído o projecto PortugalFoods Qualifica, que pretendeu contribuir para o incremento do índice tecnológico das empresas. Esse objectivo foi atingido?
Não há tecnologias low cost nem tecnologias rudimentares, há é empresas tecnologicamente mais atrasadas. Muitas das nossas indústrias estão ao nível do melhor que se faz no resto do mundo. O que verificámos nesta última década foi uma aposta forte das empresas do agroalimentar na sua capacitação tecnológica, de investigação e inovação e muito de gestão. São empresas muito tradicionais, muito familiares, mas que se estão a modernizar também ao nível da sucessão, com a entrada de uma geração muito mais bem preparada na gestão, no marketing, na inovação. Quando se pensa em exportar, se não houver estas capacidades vai-se falhar ao nível da embalagem, da logística, da adequação dos produtos aos mercados de destino. Todo este circuito tem vindo a ser percorrido pelas empresas e podemos hoje dizer que as empresas estão muito mais bem preparadas para a exportação do que há uma década.
As empresas reconhecem a necessidade de estarem preparadas para conseguirem exportar…
As empresas abriram a sua vontade de cooperar. No mercado nacional são concorrentes, mas no mercado externo têm acima de tudo de cooperar. Todo este processo foi alavancado por uma dinâmica de promoção da marca Portugal muito mais forte, mas também pelas empresas locomotiva – com mais tradição, mais estrutura, presentes há mais tempo nos mercados externos – que partilharam com empresas que querem dar este passo. Todo este trabalho em conjunto tem permitido que muitas empresas acelerem os seus processos de exportação. Quando se coopera, os movimentos são muito mais rápidos e assertivos, porque há passos que outros já deram e que estão disponíveis para partilhar. Quando fazemos promoção externa, vemos empresas concorrentes disponíveis para partilhar informação sobre os mercados. O conceito de cluster também disponibiliza às empresas ferramentas que lhes permitem ser mais assertivas quando pretendem ir para um mercado.
Em 2020 a PortugalFoods apresentou o conceito Atlantic meets Mediterranean. O que se pretende com este projecto?
Na PortugalFoods tentamos, acima de tudo, elevar o orgulho em ser português. Na comunicação que fazemos com o exterior temos de ter a capacidade de promover Portugal não apenas pelos atributos emocionais pelos quais somos conhecidos – povo talentoso, afectuoso, por termos um património cultural e religioso muito amplo, uma gastronomia extraordinária, sol e praia – mas também pela identidade resultante da fusão entre o Atlântico e o Mediterrâneo. A dieta mediterrânica continua a ser um património muito importante. Mas o Atlântico também nos caracteriza como povo: os Descobrimentos, a aventura. Tentámos juntar a característica das nossas gentes com a essência dos produtos.
Programas como o do chef Gordon Ramsay, que esteve em Portugal, nomeadamente na Nazaré, ajudam a promover o sector agroalimentar lá fora? São um bom cartão de visita?
O McNamara foi quem melhor promoveu as francesinhas do Porto. O nosso principal embaixador é de facto o turismo. Quem nos visita fica com a imagem da qualidade exepcional dos produtos e da gastronomia portuguesa. Quem fica surpreendido quando nos visita, vai depois no seu país tentar encontrar os produtos portugueses. Quando publicações importantes, chefs, opinion makers, colocam Portugal como destino de eleição, com um povo acolhedor e produtos excepcionais, esta imagem do País é meio caminho andado quando abordamos os mercados e os clientes. Esta é uma transformação impressionante. Quando começámos a fazer feiras com a marca PortugalFoods achava-se que não ia resultar, porque as empresas tinham receio de se associar à marca Portugal.
Além da flexibilidade e da qualidade dos produtos, quais são as outras mais-valias do sector agroalimentar português?
A qualidade, sem dúvida, mas também a satisfação de consumir português. A influência da orla atlântica é o que permite que a nossa fruta tenham muito mais sabor, mais cor e mais textura, o que é extremamente apreciado. As conservas de portuguese sardine são valorizadas de uma forma diferente das conservas de sardinha de Marrocos, de Inglaterra ou da costa francesa. Não somos um país forte em chocolate, mas conseguimos exportar e foi aliás dos produtos que mais cresceu. Não competimos com o chocolate suíço, mas conseguimos actuar em alguns nichos. Os mercados olham para Portugal como um País que tem produtos diferentes, produtos em que se associou a inovação à tradição. É este elemento que credibiliza. Conseguimos manter os atributos originais dos produtos, mas fomos capazes de os industrializar ao mesmo tempo que continuam a ser reconhecidos como produtos tradicionais.
Durante muitos anos os portugueses valorizavam sobretudo o que vinha de fora, mas hoje não é assim…
A pandemia veio demonstrar que as cadeias de abastecimento têm de ser cada vez mais curtas. O agroalimentar foi um dos sectores que não sofreram, com excepção das empresas muito focadas na hotelaria e restauração. Também verificamos que a promoção que os supermercados fazem dos produtos nacionais leva a que estejamos mais disponíveis para comprar português. Isto não é uma questão de nacionalismos, é valorização daquilo que é nosso. O mesmo foi feito por programas como o Portugal sou eu. Hoje os portugueses valorizam cada vez mais a portugalidade. Estão também cada vez mais conscientes de questões relacionadas com a sustentabilidade e sabe-se que produtos mais locais são mais frescos e melhores.
A grande distribuição valoriza agora mais a produção nacional?
A relação da indústria com a distribuição moderna é cada vez mais próxima. Estamos a falar de forças muito diferentes, porque Portugal tem uma grande concentração na distribuição, com a Jerónimo Martins e a Sonae a representar mais de 50% do mercado. Tem havido uma progressão da legislação para regular esta relação de maneira cada vez mais equilibrada. Verdade seja dita, nos últimos 20 anos o sector agroalimentar desenvolveu-se e modernizou-se muito também por contributo da distribuição moderna. Claro que achamos sempre que se pode fazer mais. Temos necessidade de importar leite ou iogurtes? Acho que não e, numa relação ainda mais estreita, podíamos perfeitamente valorizar mais a produção nacional. Se a distribuição moderna não privilegiar a indústria portuguesa, esta não reforça a sua capacidade de exportar mais e de criar mais emprego. A relação entre a distribuição e a indústria tem de ser virtuosa.
Quais são os principais desafios que se colocam à indústria agroalimentar portuguesa depois da pandemia?
Há um desafio fundamental, que se agravou de forma muito notória com a pandemia, que é a questão da mão-de-obra. Digitalização dos processos, especialização e automatização é um caminho que a indústria agroalimentar tem de fazer. Continuamos a olhar para o sector como muito tradicional e alicerçado em mão-de-obra intensiva. A modernização tecnológica é uma exigência imediata. Portugal tem hoje necessidade de recorrer a mão-de-obra estrangeira de forma muito intensa. O chão de fábrica não é atractivo para os jovens. A investigação fundamental também é muito importante. Temos de estar conscientes que estamos perante uma população envelhecida que tem cada vez mais preocupações com o que come em termos de sal, gordura e açúcar. Isto é uma exigência enorme para a indústria. As questões da saúde e do bem-estar são um desafio, tal como o são as questões da sustentabilidade, do ambiente, das novas tendências do consumidor. E-commerce e cibersegurança também não podem deixar de estar na agenda.
Perfil
Carreira na gestão
Amândio Santos, 51 anos, tem formação em Contabilidade e Administração pelo ISCA – Universidade de Aveiro. É presidente do Conselho de Administração do Portugal Foods – Polo de Competitividade Agroalimentar desde 2012, presidente do Laboratório Colaborativo Colab4Food e do Tecmeat – Centro Tecnológico das Carnes. É ainda administrador executivo do Grupo Primor e gestor e consultor de empresas. Natural e residente em Pombal, concelho onde durante largos anos foi administrador da Derovo. É igualmente presidente do Lions Clube Marquês de Pombal.