No ano passado o distrito de Leiria contava com 18 produtores de leite, metade dos que tinha em 2017, ano dos dados mais antigos disponibilizados pelo Instituto de Financiamento da Agricultura e Pescas.
As estatísticas do IFAP revelam ainda que a produção de leite na região caiu 31% neste período, ficando-se pelos 1.489.717 quilos no ano passado.
Jorge Silva é um dos produtores que resistem. Dono de uma exploração com 500 efectivos em Alfeizerão, diz ter investido “bastante” ao longo dos últimos anos, para modernizar e automatizar a actividade e, assim, minimizar os impactos da falta de mão-de-obra.
Face aos compromissos assumidos no âmbito do projecto, não pode agora encerrar a exploração, mas garante que perde dinheiro todos os dias. Produzir um litro de leite “custa acima de 40 cêntimos”, mas o preço pago ao produtor ronda os 36 cêntimos.
“Ao fim do mês são muitos milhares de euros [de prejuízo]. Ninguém consegue suportar. Há muita gente a deixar a actividade. Este vai ser um sector sem continuidade, os jovens não querem pegar-lhe, vêem as dificuldades e as horas que é preciso trabalhar”, frisa.
Jorge Silva, que é também presidente da APROLEP, associação de produtores de leite sediada no concelho de Alcobaça, diz que nesta zona desapareceu pelo menos uma dezena de explorações nos últimos cinco anos.
E em São Bento, freguesia do concelho de Porto de Mós onde a produção de leite foi de grande monta há umas décadas, resta agora “meia dúzia, muito curta, de explorações”. Resistem ainda algumas em Leiria e noutros concelhos.
A nível nacional (ilhas incluídas), e ainda de acordo com os dados do IFAP, havia no ano passado 4018 produtores, menos 956 (19%) do que em 2017. Apesar da diminuição, a produção de leite neste período subiu 3% e em 2021 somava 159.381.468 quilos.
O último relatório da subcomissão do leite da Plataforma de Acompanhamento das Relações na Cadeia Agroalimentar revela que em dez anos (1999-2019) o número de explorações caiu 90,7% no Continente e 52,5% nos Açores (não há dados distritais).
Depois de 2019, “a redução do número de produtores ainda se agravou e os que resistem estão endividados, revoltados e desanimados”, sublinha um comunicado da APROLEP.
A associação diz ainda que o relatório da subcomissão do leite, divulgado em Janeiro, confirma o que os produtores já tinham denunciado há um ano: “o preço do leite em Portugal esteve 5 cêntimos/litro abaixo da média da UE em 2021”.
Neste ano, houve um “descalabro” nos custos de produção, aponta Jorge Silva, dizendo que entre Janeiro de 2021 e Janeiro deste ano os custos da ração subiram 42%. O preço da energia “triplicou” e os dos combustíveis “é o que se sabe”. Mas o preço por litro de leite pago ao produtor “não acompanhou” estas subidas.
O aumento de três cêntimos registado no mês passado “foi automaticamente absorvido” por nova subida, “brusca”, dos preços das rações, garante o agricultor.
Por que é que o preço pago ao produtor é tão baixo? “Só encontramos uma justificação: a aposta da grande distribuição em ter um produto barato, como chamariz para o cliente, alegando que é um produto de primeira necessidade e tem de ser barato”, diz Jorge Silva.
“É urgente que os governantes tenham uma palavra forte junto da indústria e da distribuição para um aumento imediato do preço base a pagar ao produtor para acompanhar os custos de produção”, sustenta a APROLEP.
Para a associação de Alcobaça, é ainda “essencial que o novo governo seja capaz de criar rapidamente um observatório do leite e um mecanismo capaz de actualizar os contratos e indexar o preço do leite aos custos de produção”.
Quanto ao relatório da subcomissão do leite, é visto como “um importante diagnóstico e um ponto de partida para mudar a realidade actual da crise que atravessamos”, devendo ser “alvo de estudo, debate, reflexão e base para a tomada de medidas urgentes, que deverão ser rapidamente postas em prática”.