A imprensa começou agora a trazer-nos os números das visitas de 2018 a museus e a revisitar os rankings nacionais e internacionais. A vedeta do ano foi o Louvre, que fechou as contas com 10,2 milhões de visitantes, um record absoluto.
A direcção do museu mostra-se satisfeita com o êxito, embora reconheça que o crescimento se tem feito sobretudo à custa dos visitantes estrangeiros – nomeadamente asiáticos (os chineses terão contribuído com um milhão, aumentando 40% relativamente ao ano anterior).
Para o aumento extraordinário de entradas no Louvre (2,2 milhões, cerca de 25% relativamente ao ano anterior), no qual os técnicos da instituição reconheceram um público jovem e não frequentador habitual de museus, terá contribuído um vídeo-clip da canção Apeshit que os cantores Beyoncé e Jay-Z rodaram nas escadarias e salas do museu. O clip teve 150 milhões de acessos no youtube.
Em Espanha, o museu mais visitado em 2018 foi o Centro de Arte Reina Sofia com 3,9 milhões de visitantes, seguido pelo Prado, com 2,9. No ranking espanhol, o segundo museu mais visitado foi o Guggenheim de Bilbao (1,3 milhões), a Caixa Fórum de Madrid (950 mil) e o Thyssen-Bornmisza ( 910 mil).
Em Itália, o museu mais visitado é desde há alguns anos a Galleria degli Uffizi em Florença. Não foram ainda divulgados os números de 2018, mas terão ultrapassado os 3,4 milhões de visitantes de 2017.
A inserção dos museus neste contexto do turismo urbano de massas produziu alterações significativas na agenda das suas direcções. A museografia viu-se obrigada a responder, por exemplo, aos públicos para os quais tirar uma selfie junto de uma peça icónica passou a ser a experiência fundamental da visita.
O director dos Uffizi verificou em 2015 que a segurança do museu exigia que reordenasse todo o enquadramento do acesso às bilheteiras e [LER_MAIS] entradas, de modo a reduzir as imensas filas que se tinham tornado apanágio da Galleria.
Convidou uma Universidade a colaborar na definição de um algoritmo que permitisse uma gestão diferenciada dos fluxos de visitas.
Os trabalhos preparatórios deste estudo revelaram que embora o museu tenha 80 salas e cerca de 17 mil metros quadrados, o público se concentra em cerca de 15% desse espaço, havendo grupos que não permanecem mais de 30 minutos no seu interior, mau grado terem aceite esperar duas horas para entrar.
Com a gestão dos museus fixada por este enquadramento, aliás estimulado pelo recuo generalizado do financiamento público (no caso dos Uffizi, o museu não só não recebe subvenção estatal, como tem de entregar 20% dos seus réditos à Câmara de Florença), os propósitos culturais são secundarizados. A missão essencial dos museus – ensinar, educar e proporcionar deleite – deixou de ser a prioridade da museologia.
Jean Clair, falava de malaise dans les musées (Paris, Flammarion, 2007) – mal-estar nos museus.
Que vão então hoje estes milhões de visitantes, cruzando origens culturais as mais distantes, numa procissão babilónica, à procura nos museus?
*Docente do Instituto Politécnico de Leiria