É bom quando vou a teatro, ver seja o que for e onde for, e me acontece uma coisa boa. Nem sempre é muito claro para mim por que é que essa coisa é boa, na verdade. Mas sei que a prática de muitos anos me há de ajudar a encontrar uma justificação e a elaborar um discurso coerente para valorizar ou desvalorizar o que experimentei, seja coisa boa, coisa só ou coisa má.
O mais difícil é sempre traduzir esse je ne sais quoi que nos envolve quando nos deixamos perder no jogo puro da ilusão cénica e nos esquecemos de tudo o resto.
Aborrece-me ficar preso no rigor dos movimentos, na respiração e no tempo dos actores, nas pequenas imperfeições rítmicas, nas narrativas de pacotilha, nos efeitos supérfluos, nas réplicas inúteis ou mal construídas, nos espaços mal iluminados, na deficiente projecção ou articulação das palavras e sei lá mais o quê. E porém, às vezes, não é assim. Coisa boa.
Fui um dia destes ao Te-Ato ver “O Fio da Linha do Horizonte”, um espectáculo com texto, encenação e interpretação de João Lázaro.
Um homem sozinho em palco tece a [LER_MAIS] sua história emaranhando-a em outras cinco histórias. Cinco vizinhos, cinco habitantes do mesmo espaço, cinco histórias que se encontram e desencontram. E nada mais.
O homem ergue o seu tear num espaço muito limpo com recurso a meia dúzia de adereços que se expõem sem pudor aguardando o seu momento de entrada em cena, o seu momento de ser narrativa também: Uma mesa; uma mala aberta; cinco placas de madeira e pouco mais. É tudo.
Convenhamos ser difícil construir um espectáculo com base em dispositivos, dramatúrgicos e cénicos, mais simples.
Tão simples quanto eficazes. Tão eficazes quanto bonitos na sua singeleza. Sei muito bem o enorme esforço que é preciso fazer para fazer simples o que se oferece aos outros em espectáculo.
Aprendi-o com o Padre Vieira, não das Cartas mas dos Sermões, com o Cardoso Pires, em muito do que escreveu, com tantos outros e, sobretudo, com o Teatro, às vezes. Quando é coisa boa.
*Dramaturgo