A primeira vez que fui a um oftalmologista foi em 2002. À beira dos 32 anos e com recorrentes dores de cabeça devido a horas e horas passadas num velho PC a consultar bancos de dados com discos editados por esse mundo fora, resolvi procurar ajuda.
O propósito era, claro, o de pôr fim a esse inusitado sofrimento que me vinha fustigando dia após dia. Uns óculos “para ver televisão” seriam, por certo, a solução. Pelo menos era assim que eu pensava…
No dia da consulta sentia-me descontraído e longe de pensar no susto e na surpresa que viria a ter. Chegada a minha vez entrei no consultório. Letra a letra, da maior para a mais pequena, disse-as todas. Primeiro com o olho direito tapado, depois com o esquerdo.
A velocidade e a assertividade das minhas respostas não dependeram sequer da distância a que as proferi.
De perto ou ao longe a eficiência foi exactamente a mesma. Por isso fiquei perplexo quando ouvi o doutor dizer-me, com apreensão e semblante carregado, o seguinte: “Carlos, temos aqui um problema grave”. Foi com uma súbita e amedrontada voz trémula que lhe perguntei “então doutor?” – ao qual me respondeu: “vou ter de lhe arrancar um olho!”.
Naquele instante, tétrico, perplexo [LER_MAIS] e quase afónico, exclamei: “Não pode ser, doutor! Eu vejo muitíssimo bem!”. “Pois vê” retorquiu ele. E continuou: “E é por isso mesmo. Você vê mais que as outras pessoas e vou arrancar-lhe um olho para que deixe de fazer concorrência desleal!”.
Obviamente que saí do consultório com os dois olhos e com uma história engraçada para contar.
As insistentes dores de cabeça que tinha à frente do ecrã de computador acabaram por desaparecer devido aos exercícios oculares que o doutor me aconselhou fazer.
Foi já depois dos 45 anos que tive, efectivamente, problemas de visão. Ver ao perto tornou-se um pesadelo para mim, mas mantenho uma extraordinária e incomum capacidade de ver ao longe.
Talvez seja por isso que me sinto, quase sempre, um pouco mais além. Perdoem-me a arrogância…
*Presidente da Fade In