Na biografia de Cristiano Marcelino, a constante é a aldeia, mas a música, agora sob o nome Celino, soa absolutamente contemporânea e urbana, como um fato de domingo comprado em Londres, Nova Iorque ou Berlim para o rapaz nascido e criado no campo, onde ainda reside.
Diz ao JORNAL DE LEIRIA que sempre se lembra de existir em ideias diferentes do pensamento dominante na geografia que habita. E é no cenário rural dos arredores de Ourém que o músico dos Eclema, com dois EP a solo lançados em 2014 (In a Bottle) e 2018 (emptiness) no contexto do projecto Forol, ouve Thom Yorke, James Blake e Björk, mas também Sérgio Godinho e Fausto.
Para viajar, chega a imaginação. Em palco, como recentemente no Texas Bar, em Leiria, um outro reduto de modernidade construído longe da sede do concelho, Cristiano Marcelino debita a banda sonora pop e electrónica de uma história que está a entrar em território novo. Em 2022, pretende lançar o primeiro registo de estúdio assinado como Celino, provavelmente pela editora You Plug Me Records.
Natural do concelho de Ourém, onde permanece, após breve passagem pelo Porto, tão curta como transformadora, o músico de 28 anos é um antigo aluno da Sociedade Filarmónica Ouriense e da escola Ourearte, na disciplina de percussão, com especial interesse pela bateria. Na Ourearte, frequentou aulas de António Bastos, com quem ainda colabora. E há 10 anos, mais dia menos dia, sentou-se pela primeira vez diante do teclado, a compor. Ou, talvez, a dissipar tempestades. “Comecei a escrever músicas e passava muito tempo a tocar piano”, recorda. “Houve uma altura da minha vida em que eu estava enervado com tudo e tocar piano era das coisas que me fazia exprimir sentimentos”. Um gesto natural e espontâneo, com o proveito de “andar para a frente” e “tirar problemas de cima”.
É quando Cristiano Marcelino se muda para o Porto, de 2019 a 2021, que Celino se torna possível e começa a ocupar o lugar de Forol, até o substituir definitivamente.
No Porto, o músico dos Eclema, colectivo onde assegura bateria, teclas e voz, vive “uma boa experiência” numa “cidade interessante”, mostra-se atento a outras sonoridades, deixa-se influenciar mais pela electrónica underground e menos pelo hip hop, aprofunda o conhecimento sobre sintetizadores. E, tão ou mais importante, começa a escrever em português.
Nos temas que, além do Texas Bar, também o público do Teatro Municipal de Ourém, de Cem Soldos e de Fátima já conhece, fala de “relações com pessoas, não necessariamente amorosas”. Percebe-se “a continuidade”, mas o som, ancorado no alfabeto da pop e da electrónica, “está diferente”.
A confirmar nos próximos meses, quando sair o EP, que também pode vir a ser um longa duração, de que falta, somente, “gravar vozes e acabar alguns beats”, adianta ao JORNAL DE LEIRIA.
Computador, órgão e sintetizador continuam a ser os principais recursos de composição para Cristiano Marcelino, numa mistura de ritmo e texturas. O que muda é o texto, agora em português, “uma boa ideia”, que torna tudo mais fluído. “Sinto que sou muito mais eu a escrever do que quando escrevia em inglês”. E do eu que é Celino também faz parte a aldeia. “Gosto muito”.