Lá dentro, no lugar do pendura, está a minha mãe. Atrás, está uma tia e um tio meu sentados e eu, em pé, entre eles, com a minha cabecita espichada para a frente e os meus bracitos agarrados aos encostos de cabeça dos bancos da frente do automóvel. Já era noite e já não consigo precisar se jantáramos fora.
O mais provável é que o tivéssemos feito, pois nessa altura, sempre que íamos à Nazaré, dávamos um salto a Famalicão, um lugar já a caminho de São Martinho do Porto, para nos refastelarmos com a bela amêijoa à “Bulhão Pato”, especialidade de um daqueles restaurantes à beira da estrada, concorrido e barulhento.
O carro continuava parado. Provavelmente, ali na zona de Pataias. O momento serve para discutir aonde se vai a seguir. Se à Marinha Grande tomar café ao Cimarina, se a Leiria à pastelaria Soraya, se à Batalha, à Casa Brogueira.
Confesso que nem sequer tenho a [LER_MAIS] certeza que esses estabelecimentos já existissem naquela época, embora pareçam existir desde sempre nas minhas recordações. Depois de um impasse e das indecisões que resultaram do diálogo entre todos os ocupantes do veículo, o meu pai sai-se com esta: “bom, já que ninguém decide, decido eu! Vamos até ao fim do mundo!”.
Aquela frase surtiu em mim, criança à beira dos quatro anos, uma magia fascinante, algo de transcendente que nunca sentira até então. “O fim do mundo”, imagine-se só! O que seria que iríamos encontrar nesse lugar desconhecido?
Um baú cheio de carrinhos de brincar que podíamos levar para casa sem pedir? Um lugar repleto de doces gratuitos que poderíamos degustar sem pagar? Uma passagem para o sítio dos sonhos, onde podíamos ser o super-herói que quiséssemos e ter todos os poderes que imaginássemos, incluindo os de dar saltos tão altos que poderíamos tocar nas nuvens e tão compridos que poderíamos pular entre continentes?
O carro do meu pai arrancou, por fim, em direcção a esse território por desbravar. O meu entusiasmo era evidente. Fervilhava por dentro, de alegria, gritando “Vamos ao fim do mundo! Vamos ao fim do mundo!”.
Quando chegámos à Maceira, à porta de casa dos meus tios, o meu mundo desmoronou. Fiz uma birra descomunal, tão grande quanto a desilusão que subitamente se abatera sobre mim. A verdade é que ainda hoje procuro esse lugar idílico. Talvez até seja um erro de percepção criado por mim em tenro petiz. Mas que me tenho saciado, com prazer, nessa busca sem cessar, tenho.
Mal sabia o meu pai o destino que me estava a traçar. Pudesse eu ter-lhe agradecido…
*Presidente da Fade In