Marcel Proust procurava o seu “eu”, nas profundezas da “sua” memória, e eu aborreci-me rapidamente com essa obsessão, porque não tinha então maturidade suficiente para compreender o sentido da sua demanda.
O trauma foi tão grande que até hoje, dos sete volumes, só consegui ler – a muito custo – os dois primeiros. No mesmo ano em que tentei ler Proust, em 1975, a minha irmã trouxe para casa dois livros sobre ecologia. Um deles – Uns comem os figos…, da Seara Nova, com participação de Gonçalo Ribeiro Teles -, está à minha frente.
O outro, guardei-o tão bem que não consigo encontrá-lo… Esses dois livros já antecipavam há mais de 40 anos a maioria dos problemas com que nos debatemos e confrontamos. Excesso de população, escassez de recursos, subdesenvolvimento, poluição generalizada, aquecimento global, mudanças climáticas, fenómenos extremos, contaminação das águas e escassez de água potável, extinção de espécies, tudo já ali bem previsto, em 1975 (sobretudo nesse livro que não consigo encontrar).
A minha primeira visão sobre o frágil equilíbrio da natureza (de Gaia, como então aprendi…) ancorou-se nesses livros, nesse “Verão Quente” da Revolução. E talvez por ser um ano de revolução, sempre me exasperei (sem grandes resultados) contra quem foi negando o fenómeno das alterações climáticas. Refiro-me sobretudo à comunidade científica, que durante décadas desmentiu a tese das mudanças climáticas por acção do Homem.
Em A terra à procura do equilíbrio, Al Gore explica alguns pressupostos desse “desleixo” científico: os centros de investigação e investigadores, [LER_MAIS] dependentes de subsídios estatais ou do mecenato de grande grupos empresariais e fundações, por sua vez sustentados pelos lucros de actividades delapidadoras e poluentes, sempre se retraíram (ou omitiram) para não alarmar, para “não incomodar” as posições oficiais, para não ferir susceptibilidades até de quem patrocina a investigação.
Com esse argumento tão astucioso, utilizado ainda hoje, de que não há provas conclusivas sobre a acção do Homem nas alterações climáticas e que, portanto, essa ligação de causa e efeito carece de estudos científicos credíveis e conclusivos, fomos incentivados a descer, alegremente, o precipício…
Olho para o meu jardim e parece que está tudo bem. Mais chuva, menos chuva, mais fogo, menos fogo, continuo a conseguir regar as minhas plantas e a vê-las crescer.
Olho para o Mundo e carrego comigo esta estranha sensação de que chegou ao fim um certo equilíbrio. Pode ser também a nostalgia de quem está perto dos 60, mas sinto a falta do cheiro à terra molhada e a ervas viçosas da minha meninice, sinto falta do canto do cuco e das longas trovoadas em que passávamos noites inteiras entusiasmados de medo…
E falta do sabor especial das frutas e da água límpida dos regatos, da visão das centenas de borboletas nos campos e do intenso fulgor das estrelas brilhando no negrume do céu…
O Verão já não me aparece no Verão e a Primavera na Primavera, no seu tempo certo, esperado ou pressentido…
Busco, por isso, um tempo perdido. Não o de Proust, nem só o meu, mas o de toda uma outra Humanidade.
*Professor