Sentirmo-nos bem na nossa pele, sermos capazes de dizer bem de nós, e podermos estabelecer relações que nos façam progredir no entendimento do mundo e na construção de quem somos, são três grandes pilares na estruturação de uma vida.
Parecerá simples, mas não é. E como todos estes aspectos se interligam e interdependem, a tarefa facilmente se complica. Muito mais pessoas do que imaginamos gostariam de ser de uma maneira diferente do que são. Ou porque a idealizam como sendo a mais adequada para almejar o sucesso, ou porque não se aceitam como são, ou porque exigem de si uma qualquer inatingível perfeição.
Assim sendo, dificilmente poderão realmente expressar o que sentem, porque isso exige a liberdade interior que assenta no sentirmo-nos confortáveis na nossa pele. Um corpo, e a forma de existir que o habita, deverão ser o lugar livre de onde possam partir todos os modos de expressão.
De todos eles, a dança é o mais íntimo, o mais próximo do que sentimos, o mais antigo, e o mais natural. E se ainda no ventre materno o movimento começa por ser simples consequência do acto de respirar, do crescimento dos músculos e do desenvolver das articulações, logo depois se transforma em comunicação, cada vez mais elaborada, abrangente, e crescente em significado.
Até ao momento em que nos ensinam a conter as manifestações físicas, a sentar quietos, a suster o impulso, a ser comedidos nos gestos e a aprender um certo e um errado da corporalidade. [LER_MAIS] É então que começamos a distanciar-nos da espontaneidade, a domar o corpo e a observá-lo depois aquietado, aprendendo a fazê-lo corresponder a padrões estéticos e às regras de comportamento estabelecidas.
Mas um corpo assim não fala e não pode traduzir a emoção e o pensamento. Antes entristece a alma que tem dentro por não ser suficientemente apto a encaixar-se no padrão, ou a vai deixando temporariamente apaziguada com a tão desejada participação na homogeneidade. E assim crescemos, limitando o movimento e espartilhando-o em regras que condicionam a manifestação do que sentimos, até nos transformarmos em adultos que vão disfarçando o corpo e negando os seus fundadores impulsos de dança.
Neste nosso mundo de formatos, nunca a dança foi tão desejada, embora continue tantas, demasiadas, vezes olhada como uma miragem, como uma urgente necessidade de expressão e de liberdade contrariada por padrões físicos, por capacidades motoras e técnicas e, claro, pela idade.
Hoje, esta noite, sobem a um palco grande algumas mulheres que dançam pela primeira vez em público ao fim de um ano de aprendizagem. São corpos de todos os tamanhos e formas, são um largo leque de idades, são percursos e sentires muito diversos, são medos semelhantes. Mas todas elas são livres!
Expressam-se dançando e sentem prazer e orgulho na forma como o fazem. Têm consciência das suas limitações e tentam superar as que forem possíveis, porque é assim que todos devemos fazer. Mas aceitam o que são e como são, gostando muito, ou menos um bocadinho. E deixam o corpo falar, e estabelecem relações que lhes permitem entender mais e melhor esta tão grande importância de ser-se livre dançando durante a vida toda.
*Professora de dança