T u es fou! fou! E quase esse ocasional e assanhado compagnon de route se me atirava ao pescoço, após comentário meu à situação na cidade, fruto da inocência lusitana que algumas leituras clandestinas, cá, não tinham completamente desfeito.
Eram num poiso adequado à boleia, as Portas de Bercy, para quem queria seguir para leste, deixada Paris. Sem me aperceber do vulcão que lavrava sob os localizados distúrbios estudantis de Nanterre, iniciados com o assalto aos dormitórios das colegas, estava mais interessado, de facto, em chegar de pressa e à borla à Alemanha.
Poucos dias depois, afinal, as barricadas do Quartier Latin e o resto do Maio de 68.
O pensamento no meio universitário [LER_MAIS] ocidental em geral, posta de lado a cosmovisão do Cristianismo, era dominado por Marx, Freud, Marcuse, Erich Fromm, Sartre, Camus, Simonne de Beauvoir, o Livre Rouge de Mao e, então, possivelmente menos pelos escritos de Darwin.
Em Portugal, Salazar ainda não tinha caído da cadeira e a guerra dita “colonial” estava no auge, nas frentes da Guiné, Angola e Moçambique, com mais de cento e vinte mil militares envolvidos, só do lado de Portugal: a Igreja e o traço azul dos censores, por seu turno, continuavam aqui implacáveis.
Tentativa frustrada de Revolução (porque, para alguns, à frente do seu tempo!), Maio de 68 significou. Porém – nomeadamente para uma juventude “periférica” como a portuguesa – a gradual desformatação do pensar aristotélico-racionalista, vertido nas Escolas nacionais: o centrar do indivíduo na sua existência concreta, vivida na liberdade de auto-construção de si e do seu destino, sobre a sua “essência” prè-definida das doutrinas tradicionais, e liberto, assim, já de deuses externos.
Curiosamente, para espíritos não anestesiados, foi uma ajuda, com essa interiorização da liberdade total de dispor de mim, de válvula pessoal contra as opressões de costumes e política sentidas então, em Portugal…
Dou comigo a fazer esta evocação agora que, 50 anos depois, renhidamnente por 115/110, a “morte assistida” não passou na A.R.
Penso que o resultado tangencial, impensável à época, é consequência também dessa desconstrução progressiva, feita na sociedade portuguesa, dos paradigmas valorativos herdados – a qual Maio de 68 ensinou a praticar.
E tendo consciência desse processo, certamente irreversível, ainda assim, – em consonância com uma espécie de “inconsciente colectivo” de Jung – provisoriamente, eu tenderia para o “não”, por julgar o “sim” legítimo, mas, face à Ciência, definitivo… em demasia.
*Advogado