Existe uma convicção culturalmente enraizada em nós que associa a política à mentira. A verdade é que, tanto políticos como público em geral, todos estamos a matar a verdade. Um artigo do ano passado na Scientific American mostranos números preocupantes.
Com a confiança na capacidade de fact-checking pelos media tradicionais a descer para mínimos históricos (atualmente apenas cerca de 29% das pessoas acreditam na capacidade da imprensa de confirmar a veracidade dos factos que noticia) cresce o número de cidadãos cuja principal fonte de informação são as redes sociais (cerca de 63% da população).
A universidade de Stanford mostra noutro estudo que a larga maioria dos utilizadores de redes sociais não conseguem identificar fake news e isso constitui um problema de proporções desconcertantes. E é aqui que entram os políticos.
Desde sempre que a prioridade de políticos populistas foi ganhar eleições e não dizer a verdade. Antigamente tinham que ser mais verdadeiros pelo simples facto de terem dezenas de jornalistas a investigarem os seus percursos e o facto de serem apanhados em mentiras era altamente danoso para a sua reputação.
Ora, se a imprensa já não tem a confiança do público em geral, já não consegue cumprir o seu papel de gate-keeping (guardiã da verdade), o que significa que o que as redes sociais fizeram foi libertar os políticos sem escrúpulos para mentirem e distorcerem factos consoante lhes der mais jeito. Mentir passou a ser uma atitude altamente compensatória.
De repente, os políticos deixaram de ter a imprensa entre eles e os eleitores constantemente a [LER_MAIS] dizer o que é verdade e o que é mentira e cada vez mais estão a explorar esse facto. É isto que se quer dizer quando se menciona a época da pós-verdade.
Esta crise da imprensa e a criação das ecochambers (câmaras de eco) através dos algoritmos implementados pelas redes sociais, que apenas nos mostram opiniões semelhantes às nossas, poderão estar a dar um empurrão decisivo em direção ao aprofundamento da polarização ideológica, que se caracteriza genericamente por uma crescente divergência de atitudes e pensamento político por parte do público em geral, que tem como consequência o enfraquecimento de posições moderadas e o reforço de posições extremas.
Uma análise histórica mostra-nos que uma alta polarização ideológica costuma ser inimiga da democracia e antecede frequentemente à instauração de regimes ditatoriais.
Cabe-nos a nós, o povo, mudar isto.
Cabe-nos verificar a credibilidade dos órgãos de comunicação social que lemos e especialmente aqueles que partilhamos. É possível continuar a confiar na imprensa tradicional, simplesmente agora temos que pesquisar um pouco mais.
Está na nossa mão não ver e comprar nada que seja de meios de comunicação social sensacionalista mas, mais do que isso, está na nossa mão exigir que os meios de comunicação social não sensacionalista não pratiquem o sensacionalismo.
Cabe-nos, como contribuintes, exigir que a RTP faça o papel de gatekeeping que se espera da imprensa. Gostamos muito de ter redes sociais que nos liguem facilmente a todos os outros seres humanos com internet, agora temos que mudar os nossos comportamentos de forma a não cairmos nestas armadilhas, algo que pode comprometer a nossa democracia e, consequentemente os nossos direitos, liberdades e garantias.
*Jurista
Texto escrito de acordo com a nova ortografia