O primeiro livro, de 2013, de Francesco Careri intitulou-se Walkscapes: Andar Enquanto Prática Estética. Três anos mais tarde publicou Andar e Parar. Depois da apologia do nomadismo, o arquitecto vem reconhecer que, no percurso, os incidentes são virtuosos, havendo que os acolher, senão mesmo que os provocar.
Em suma, o deambular obriga a que, por vezes, nos detenhamos. Se há uma arte do andar, há igualmente uma arte do parar. Parar é por vezes o resultado de um imprevisto, obstáculo em que tropeçamos, ou mera constatação de que nos perdemos. “Caminante, no hay camino”, escreveu Machado, “se hace camino al andar”.
A margem de indeterminação não pode ser eliminada em qualquer rota previamente definida. Parar é perder tempo, mas como diziam os apóstolos da deambulação urbana dos finais do século XIX, é perdendo tempo que ganhamos espaço, outros espaços.
O elogio da paragem de Careri recordou-me um outro livro fascinante, O Bom Uso da Lentidão, de Pierre Sansot. O ensaio de Sansot vem recuperar noções mal afamadas como o lento, o retardatário. De facto colou-se ao lento a ideia de que é inábil, pesado, pouco caloroso. Exaltámos os magros, expeditos, que triunfam no cálculo mental e na destreza.
O autor pretender objectar a que a vontade funcione como um acelerador da duração, deixando-se conduzir pelo tempo. Advoga, em contrapartida, que devemos aumentar a nossa sabedoria, ou seja a nossa capacidade para acolher o acontecimento.
[LER_MAIS] É essa disponibilidade individual que designa por lentidão. Não é um traço de carácter, mas uma escolha de vida. Não é a marca de um espírito desprovido de agilidade ou de um temperamento fleumático.
É a opção de alguém que quer dar ao tempo todas as oportunidades. A lentidão está no deixarmo-nos guiar pelos nossos passos, apreciar uma paisagem, de preferência à conversa com outrem.
Está no colocarmo-nos em situação de ouvir alguém a quem damos crédito. Está no sonho, nessa espécie de consciência crepuscular que nos mantém alerta. Está na espera, que é uma forma de fazer chegar o horizonte o mais longe possível.
Está na amplitude da nossa vida interior. Está na escrita, que permite que essa vida interior se revele, em vez de se gastar ingloriamente. Está no vinho que saboreamos em vez de o bebermos. Está na ciência da medida justa. Está na ternura, no respeito, na graça.
Em todas estas experiências, a lentidão não significa a incapacidade de adoptar uma cadência rápida. Significa que não queremos acelerar o tempo, nem sermos empurrados por ele, mas que queremos aumentar a nossa capacidade de acolher o mundo e de não nos esquecermos, no caminho, da nossa fragilidade, nem prescindir da nossa liberdade.
A vida é uma oportunidade e não há segunda. Num e noutro livro estamos a falar da cidade e também da democracia. Ambas são lentas por definição, ambas ameaçadas pelo frenesim e pela vertigem A cidade é um lugar, não pode ser um não lugar. A democracia não é só falar, é sobretudo escutar.
*Docente do Instituto Politécnico de Leiria