Na escola da minha filha celebra-se a Liberdade. A todos – pais, avós, meninos e meninas – foi pedido material para construir uma exposição alusiva ao dia 25 de Abril, o dia da Liberdade!
Nós levámos fotografias dos quadros do Avô João, um apaixonado pela liberdade do sentir e do pensar. Porque, a verdade é quando estamos todos envolvidos, faz-se parte e acrescentam-se gestos, memórias, ideias e afectos.
Acrescenta-se presente ao passado e projecta-se o futuro, assegurando assim a capacidade que temos de cuidar de nós e da nossa liberdade.
Com o 25 de Abril de 1974, pela primeira vez a festa do povo continuou na rua até ao 1.º de Maio, celebrado finalmente em liberdade.
Na intimidade do espaço de consulta ouço falar do que foi este antes e do depois e de como hoje muitos sentem retrocessos enormes nos seus locais de trabalho, a fazer lembrar este tempo “da outra senhora”.
O trabalho faz bem à saúde mental de todos nós. Mas também sabemos que existe uma relação directa entre as características organizacionais do local de trabalho e a doença mental.
[LER_MAIS] Christophe Dejours, psiquiatra e psicanalista francês, tem um trabalho extenso no estudo desta relação e é muito claro quando diz que nos últimos anos três ferramentas de gestão têm estado na base das doenças mentais ligadas ao trabalho, como o burnout, a depressão, a ansiedade e toda a espiral de incapacidades físicas e mentais expressas em sentimentos como o cansaço físico e emocional, a desvalorização, o pessimismo, a solidão e o desespero, e isto conta, conta muito.
A saber: a avaliação individual de desempenho, a exigência dos números e da “qualidade total” e o outsourcing, que tornou o trabalho em pleno século XXI mais precário.
São momentos de partilhas sofridas que me fazem questionar o valor do trabalho, da liberdade e da necessidade psicológica que é senti-la e vive-la e como nem sempre é fácil este caminho.
Foi assim com o António (nome fictício). Procurou-me por se sentir exausto, triste e desalentado, o que conduziu à intensificação dos seus consumos de álcool.
Conta-me que o seu trabalho se tornou num “local de tortura”, de isolamento e frustração, onde não é possível pensar nem questionar, só obedecer e cumprir objectivos.
Refere que, no âmbito da reformulação dos quadros da empresa, se viu intencionalmente excluído da maior parte das reuniões de equipa e ostensivamente “posto na prateleira”, sentindo uma grande injustiça e total ausência de empatia e respeito pelas chefias e pelos seus muitos “anos e horas de trabalho dados à casa que viu nascer e crescer”.
A solidariedade e o respeito tinham desaparecido e agora o António autodirigia a tristeza e a frustração contra si. Sermos auto-motivados no trabalho dá força e esperança, mas o reconhecimento também é necessário.
O reconhecimento da utilidade e qualidade do nosso trabalho através de um gesto, um afecto, um comentário de apreço e estima.
É o que permite a transformação do sofrimento em prazer, porque como refere Dejours, não há “trabalho vivo” sem sofrimento, sem afecto e sem envolvimento pessoal.
E o grande desafio de mudança reside aqui: mais afecto e mais humanidade nas relações de trabalho, ingredientes base que sustentam a nossa própria liberdade de sentir e de pensar, conquistas do 25 de Abril que não podemos hoje anestesiar.
*Psicóloga clínica e psicoterapeuta