As máquinas já por lá andam desde o Verão, como que a ameaçar entrar em campo e destruir aquele parque de diversões. No entanto, o pelado continuava disponível para os miúdos da Bola Tangente poderem correr, chutar e saltar para todas as poça de lama que por ali nascem quando os rigores do Inverno mais apertam.
Tem sido assim nos últimos dez anos, desde que foi criado o Núcleo de Futebol Infantil e Juvenil de Parceiros, mas a brincadeira acabou na passada quinta-feira.
Foi o último dia em que o último clube de futebol do distrito que utilizava o último pelado no activo pôde treinar naquelas condições. A tal maquinaria que rondava o campo da bola teve mesmo de entrar no hectare de jogo para que as obras pudessem continuar.
Segundo José Carlos Matias, presidente da União de Freguesias de Parceiros e Azoia, a primeira fase, que começou em Agosto, deverá estar concluída até ao final do ano.
Inclui a vedação do campo, a colocação de um sintético e de iluminação LED, mas também a limpeza de terras por lá depositadas e que um dia foram pistas de supercross.
Depois, numa segunda fase, deverão avançar obras nos balneários, será construído um novo campo sintético, mas de futebol de sete, e será criado um espaço para desporto informal.
Interessados em usar o espaço, além da Bola Tangente, sempre existiram, garante o autarca. “Apareceu muita gente, mas sem fazer investimento. Depois da obra feita temos de estudar como articular os interesses da freguesia com os de alguém que venha de fora.”
Despedida
Naturalmente, o último treino, disputado na quinta-feira passada, foi um misto de emoções para o pessoal da Bola Tangente. Houve, até, tempo para alguns discursos de circunstância.
Para dirigentes e treinadores foi uma despedida emocionada. “Vai deixar saudades, porque é o futebol no seu estado mais puro e os miúdos adoravam”, conta Paulo Miranda, presidente da Direcção, ex-futebolista da velha guarda que nunca jogou noutro piso que não fosse este que agora vê ser substituído.
A maioria esmagadora dos progenitores, contudo, até fica satisfeita com a colocação do tapete verdejante. “Logicamente, os pais não gostam muito, porque os miúdos iam directamente para dentro dos carros, que ficavam uma lástima” Além disso, era trabalho a dobrar.
“A roupa tem de ser lavada antes de ir para a máquina porque vem cheia de saibro e lama”, contou-nos uma mãe.
Também surgiram situações em que o problema de tornou num obstáculo intransponível. “Houve casos de rapazes que vieram experimentar, mas quando os pais viram que ainda se treinava em pelado nunca mais os levaram. Nunca foi pelos miúdos, foi sempre pelos pais”, admite o dirigente.
O Eduardo, o Joca, o Faria, o Gustavo ou o Correia sabem do que se está a falar. São dos mais velhos e nunca quiseram sair daquele habitat literalmente em vias de extinção. Para eles, jogar ali até podia ser sinónimo de joelhos esfolados, mas também de uma diversão ímpar.
[LER_MAIS]Garantem que não havia prazer maior do que estar naquele campo quando chovia, terminar a partida “com lama da cabeça aos pés” e o equipamento completamente sujo.
Há, contudo, que ser realista. A mudança para um sintético vai permitir melhorar as condições de aprendizagem. “A notícia foi bem recebida, era algo que esperávamos há muito tempo, mas quando se percebe que não haverá mais areia e lama bate uma nostalgia.
Ainda por cima, os miúdos que entraram este ano mal oportunidade tiveram de experimentar aquelas condições que se aproximam do futebol de rua”, explica o coordenador da formação.
Para Diogo Bártolo, numa fase tão inicial do processo formativo, as crianças não são prejudicadas por estas condições mais difíceis e até quem defenda que aprimora as qualidades técnicas, mas não há volta a dar: estava na hora de o sintético chegar.
“As coisas têm de evoluir. É um passo natural, saudável, mas vai deixar saudades”, completa Paulo Miranda.
Com 44 atletas dos cinco aos dez anos, “é essa a vocação do clube”, muita coisa vai mudar. Para o bem e para o mal, os últimos filhos da lama vão finalmente ter as mesmas condições do que os restantes milhares que jogam em clubes filiados na Associação de Futebol de Leiria.