A frase, de Miguel Franco (Leiria, 1918 — 1988), na inauguração do Teatro José Lúcio da Silva, em Janeiro de 1966, foi relembrada num outro teatro de Leiria, muito justa e (e)ternamente, o Teatro Miguel Franco.
As três pancadas de Molière para o início do ciclo de comemorações do centenário do nascimento de um dos grandes dramaturgos portugueses ouviram-se este sábado à tarde em forma de música.
Sala à cunha e a tarde abre-se para dentro com uma extraordinária in(ter)venção do Coro do Orfeão de Leiria. Apanhada de surpresa com a canção do Porvir e o Acordai, fiquei logo de alma estarrecida e lágrimas acesas na escuridão do teatro.
A música também não suporta a mentira – ou é extraordinária e comovente – ou não é nada. Tenho dificuldade em separar o Miguel Franco amigo lá de casa e da família da figura pública e do autor.
Revejo caras conhecidas no maravilhoso filme que foi apresentado, reconheço a Maria João Franco de sempre na artista plástica e filha que homenageia o pai e nos fala sem rodriguinhos do valor do escritor, dramaturgo, encenador, actor e fico estupefacta com o documentário biográfico de Miguel Cardoso, realizado e produzido especialmente para esta comemoração.
De repente, num sábado à tarde de província, as Artes mostram-se de peito aberto e olhos claros, numa prova inequívoca de que o Teatro, mas também o Tempo, não suportam a mentira.
[LER_MAIS] É verdade, sim, que este enorme vulto da cultura leiriense foi muito além do que a pacata Leiria da época permitia. Por isso mesmo, teve obra censurada tantas vezes.
Da representação da peça O Urso, de Anton Tchekov, pelo Grupo Cénico do Orfeão de Leiria por ele dirigida em 54, ou da encenação, direcção e autoria no Castelo de Leiria, da Farsa de Inês Pereira, em 57, até às Conversas de 6.ª feira à noite no Ateneu Desportivo de Leiria, com convidados e temas muito à frente, como "Principais tendências contemporâneas das Artes Plásticas", em 73, ou "Poluição", em 74, a sua pegada artística é vasta, memorável e espraia-se – como é hábito nas criaturas muito criativas – por várias disciplinas.
Dramaturgo censurado, reconhecido e premiado, actor de cinema em mais de dez filmes, encenador, activista, homem das artes e da cultura, Miguel Franco merece e precisa de um programa educativo para as as gerações mais novas.
Mais, mas muito mais, que saber de cor a sua dramaturgia ou enquadramento histórico da obra de Miguel Franco, o perfume da verdade – de que falava em 66 – permanece intacto nas muitas obras que estas Comemorações do Centenário nos trazem: ciclo de cinema a continuar já a 14 de Maio, leituras encenadas em Setembro e Exposição Biográfica em Novembro.
Para homenagear quem dizia que "a rua era um palco de constantes invenções" resta-nos assistir ao que o Tempo guardou de tanta rua vivida, tanta invenção sentida, tanta emoção construída. Que viva Miguel Franco!
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