As palavras são sempre muito mais que meras palavras. Os povos sabem-no desde sempre: desencadeiam “forças” ocultas, movimentam energias e dinâmicas transcendentes. Muitos povos ou etnias não pronunciam determinados vocábulos com receio das forças terríveis ou malignas que possam movimentar. É o caso do vocábulo “sapo”, para a etnia cigana.
Em contrapartida, outras palavras, como o nome de Deus , de tão sagradas que são, raramente deveriam ser pronunciadas, devendo ficar só na reserva do nosso pensamento e oração. Por isso, na minha fraquíssima procura do acreditar e ter fé, sempre me impressionou como, sobretudo os crentes, não só os católicos, gastam quotidiana e paulatinamente a palavra “Deus”, contrariando minuto a minuto “o não invocarás o nome do teu Deus em vão”.
Para já não falar nesse pecado absoluto, definitivo e sem remissão de se matar em nome de Deus. A palavra e o seu artifício desencadeiam forças impressionantes – para o bem e para o mal.
Os atenienses, primeiro, e os romanos, depois, educavam os jovens no bom uso da palavra. A arte da retórica tornou-se também sustentáculo das instituições democráticas, não evitando que com frequência retórica e demagogia dessem as mãos e se unissem no propósito de consolidar poder e angariar riqueza em interesses próprios.
Mussolini e Hitler, no século XX, foram mestres na encenação da palavra – experimentem retirar o som aos discursos e verifiquem como cai por terra o seu poder expressivo. Parecem fantoches, títeres que alguém articula, ridículos de tão caricatos que parecem ser.
Mas, infelizmente, essas suas palavras e a sua força implícita impeliram milhões de pessoas a segui-los e a apoiarem-nos em processos destrutivos e de extermínio, numa corrente de [LER_MAIS] desumanidade.
E talvez porque desde pequenos, nos filmes de Hollywood, sempre vimos a sublimação do maniqueísmo – os bons a falarem americano e os maus alemão – sempre senti o linguarejar alemão como algo áspero, guerreiro, hitleriano, confirmando a sensação que já tinha de ver as óperas de Wagner na televisão e da “gritaria” das virgens em desespero.
Já sabia que o alemão era a “língua” da Filosofia, mas foi com a poesia de Goethe e a obra de Thomas Mann (ainda que lida em português) que na adolescência me apercebi que o alemão era muito mais que a língua dos oficiais louros a matarem americanos e, depois, a serem mortos.
E só muito mais tarde, com Bruno Ganz em as Asas do Desejo, de Wim Wenders (1987), eu me dei conta – felizmente – de como o alemão pode ser doce, poético, emotivo… Finalmente, ainda falando de palavras, corremos sempre o risco de as “gastar”, pelo seu uso excessivo.
À força de as repetirmos, por nos parecerem tão poderosas e expressivas, perdem a força. Os discursos oficiais, então, têm tendência a incorporar, até à exaustão, vocábulos e expressões que rapidamente se banalizam.
E é por isso que me recuso a ouvir, pela enésima vez, que é preciso “alavancar” os projectos, ou que é necessário congregar “sinergias”.
*Professor