Li no último fim-de-semana todos os exemplares do “Jornal de Leiria” (JL) publicados em 1918. Sabia que o Museu de Leiria comemora este ano 100 anos de vida difícil. Mas não estava preparado para seguir de tão perto a verdadeira tragicomédia que se vai desenrolado ao longo do ano nas páginas do JL.
Primeiro, Tito de Sousa Larcher é nomeado director-conservador do Museu Regional de Leiria, cargo que acumula com o de bibliotecário-arquivista da biblioteca e do arquivo distrital, tudo instalado em precárias condições no ex-Paço Episcopal (onde, hoje, é a PSP). Nenhum cargo é remunerado.
Estamos em Janeiro (nº51, 24-01). Em Fevereiro, a Comissão Administrativa da Câmara visita oficialmente as instalações e promete “empregar todos os esforços” para auxiliar as três instituições (nº53, 14-02). E Larcher toma posse, em Lisboa, do cargo de director do museu (nº55, 28-02).
Em Julho, publica um sentido apelo de ajuda aos cidadãos porque o dinheiro da câmara não chega, a Junta Geral do Distrito “nem sequer responde” e a riquíssima Associação Comercial diz que não tem recursos (nº73, 11-07).
[LER_MAIS] A precariedade material das três instituições clarifica-as pouco depois (nº79, 29-08) com mais um pedido de auxilio, um primor de ironia e resiliência, onde após informar que na falta de prateleiras para acomodar o que foi recentemente recebido se arrancaram as portas para “sobre elas serem arrumadas algumas centenas de livros (…) com destino ao Arquivo Distrital”, remata:
“Os factos apontados levaram, cremos, o sr. director do estabelecimento a colocar na porta da secretaria uma antiga caixa de esmolas, tendo por cima, em letras bem visíveis, os seguintes dizeres: ‘O signatário (que não é natural de Leiria) organizou esta Biblioteca, Arquivo e Museu, contribuindo com o núcleo inicial e dirigindoos gratuitamente.
Solicita o auxilio dos Ex. mos visitantes. Os leirienses, a Junta Geral do Distrito, a Associação Comercial, etc. teem recusado auxilio, a Câmara Municipal não cumpre os seus compromissos e o Estado nada auxilia. Leiria, 8 de Agosto de 1918. Tito B. S. de Sousa Larcher’”.
No mês seguinte dá uma longa entrevista ao JL onde não poupa ninguém. Guardamos isso para o nosso próximo encontro, se não se importam.
*Dramaturgo