A cacofonia e o ruído que ecoam na minha cabeça não são das músicas "esquisitas" que ouço. São o atropelo das vozes de toda a gente a "falar" por cima de toda a gente. De toda a gente a querer impor a toda a gente, pela potência dos seus "gritos", as suas visões, as suas exacerbadas opiniões disto e daquilo.
Mesmo que por vezes sejam perspectivas completamente enviesadas da realidade que um mínimo de noção ou reflexão, por superficial que fossem, mudariam. Hoje disseminam-se "factos alternativos" (a nova terminologia de "mentira") na internet e nas televisões, à velocidade da luz e à escala universal, criando-se "verdades insofismáveis" que poucos ousam questionar.
Somos completamente "manipulados", coagidos e aliciados a colaborar nesta veloz sociedade de (des)informação em que nos fizeram crer que temos voz, que temos poder, que todos podemos brilhar!
Para aqui chegarmos banalizou-se a excelência, a qualidade, o mérito, o conhecimento. Já quase ninguém aplaude de pé! A futilidade, os estereótipos físicos, a estupidez, o extremismo e o "engraçadinhismo" imbecil, são hoje muito mais eficientes porque dão mais "share", mais "likes", mais popularidade, e fazem "estrelas" à escala mundial.
Por exemplo, a quantidade de "youtubers" (salvo raras excepções, que também as há) que ganham a vida à custa de curvilíneos glúteos, arrojados decotes, definidos bíceps e "carinhas larocas", angariando hordas de fãs que se alimentam de palermices e brejeirices várias, está descontroladamente a aumentar.
Isto é perigoso, [LER_MAIS] sobretudo, porque o poder de influência que eles têm sobre alguns dos jovens que religiosamente os seguem é manifestamente maior que a exercida pelos próprios pais e encarregados de educação.
Vivemos tempos de superficialidade em busca de prazer rápido, de 30 em 30 segundos. Não se vêem vídeos ou se ouvem canções completas. É tudo em "fast forward".
Quantos se afoitam a ler para além dos títulos, para além das duas ou três linhas que a ditadura do Twitter "impôs"? Hoje estamos cada vez mais conectados e cada vez mais sós. Temos acesso a tudo e conhecemos cada vez menos.
Há esplanadas cheias de jovens agarrados aos seus apêndices tecnológicos mas num silêncio de ausência de conversas ensurdecedor, próprio de quem desaprendeu a comunicar fora da esfera virtual.
Faz-me confusão e dá-me pena ver-nos a caminhar para "isto". Sei lá, podíamos voltar a ouvir um disco devagar e depois dissecá-lo, com calma, com palavras, desnudando-lhe cada momento, cada recanto. Ainda temos tempo? Um dia, tal como os amoladores e os políciassinaleiros, também os românticos deixarão de existir…
*Presidente da Fade In