Ainda antes da pandemia, o Município de Leiria abordou as proprietárias da Mata da Curvachia no sentido de “aferir a possibilidade de aquisição da mesma”.
A informação é confirmada ao JORNAL DE LEIRIA pela câmara. Em resposta ao pedido de esclarecimentos, a autarquia informa que as negociações foram “suspensas durante o período de maior empenhamento à resposta à pandemia”, mas que há a intenção de “retomar estas negociações brevemente”.
Na semana passada, no âmbito da apresentação das suas propostas para o orçamento da câmara para o próximo ano e das grandes opções do plano, os vereadores do PSD propuseram que o município inicie negociações com vista daquela mata, uma área florestal com cerca de 220 hectares situada entre as freguesias de Pousos e do Arrabal, a poucos quilómetros da cidade.
“É estratégico. Uma opção para o futuro e para as gerações vindouras”, defendeu o social-democrata Álvaro Madureira.
“O cenário de aquisição ou qualquer outro, nomeadamente um acordo para utilização pública, estará dependente das negociações com os proprietários”, ressalva o município.
Confirmando os contactos, Maria do Carmo Cabêdo, que tem a posse de uma das parcelas – Curvachia Carvalho da Espera, onde existe uma mancha “única” de carvalhal -, diz que desses contactos não resultou “qualquer compromisso”.
“Nasci em Lisboa, mas a cidade e o concelho de Leiria fazem parte da minha pertença. Cresci e vivi com a cidade, o campo, as suas gentes, as suas festas, os seus costumes, os seus monumentos e memórias. Se alguma vez houver uma transferência de propriedade, daria sempre prioridade a um projecto em favor da população”, assegura.
Por seu lado, Manuela Raposo Magalhães, proprietária da parcela poente (Curvachia – Cabeço de Vento), diz “não estar interessada em vender”, quer pela ligação afectiva que tem ao espaço e que, garante, os filhos também partilham,[LER_MAIS] quer pelo facto de usar a mata como “laboratório” no âmbito dos projectos que tem na área do ordenamento do território e da sustentabilidade ecológica.
“O custo de manutenção é enorme. As candidaturas que temos apresentado têm sido recusadas, mas é um espaço que diz muito a mim e aos meus filhos e que aprendemos a cuidar”, acrescenta.
Há ainda uma terceira parcela – Curvachia Vale da Ucha -, cuja proprietária o JORNAL DE LEIRIA não conseguiu contactar.
Presidente da Adlei – Associação para o Desenvolvimento de Leiria, Francisco Marques considera “positiva” a ideia de a câmara tentar adquirir a Mata da Curvachia.
“Se houver essa possibilidade, seria bom. É um espaço muito interessante, com alguma biodiversidade e que está relativamente bem preservado”, realça, defendendo que o espaço deve “manter o estado selvagem” e que apenas necessita de “alguma manutenção de caminhos que se vão degradando”. “Passadiços, tão na moda, nem pensar”, afirma.
Lamentando que “a floresta e a agricultura sustentáveis que outrora existiram em Leiria” tenham sido “substituídas por monoculturas de eucalipto, por agro-química e por suiniculturas intensivas”, que “estão a destruir completamente o ordenamento do território do concelho”, João Marques da Cruz considera que “Leiria ganharia muito se conseguisse reverter esta destruição do seu território”.
Neste contexto, o arquitecto paisagista entende como “natural que os leirienses, representados pela câmara municipal, procurem contribuir para a conservação” da Mata da Curvachia, “um dos raros exemplos existentes de uma mata sustentável” no concelho, “através da sua aquisição ou através de um protocolo com o actual proprietário”.
Para Mário Oliveira, presidente da associação ambientalista Oikos, há várias questões que se colocam, a começar pela “disponibilidade ou não” de os particulares venderem.
Depois, diz, é preciso perceber “se a câmara tem um corpo técnico para manter em dia uma área daquela dimensão e com tamanha riqueza ecológica”. “Não se pode comprar só para dizer que é público. É preciso um compromisso de longo prazo para com a riqueza do património que está em causa”, alega.