Não te lembras da primeira vez em que reparaste nos baloiços. Percorrias diariamente o mesmo trajecto mas sempre te fora um pouco indiferente o cenário que te rodeava; no fundo, não te interessavam as pessoas com quem te cruzavas – e era essa a parte do cenário que mais te intimidava, que pretendias evitar: as pessoas.
Seguias focalizada em ti e nos teus pensamentos, tentando que o mundo não desse pela tua passagem. Como se o teu corpo fosse uma janela através da qual o mundo olhasse para o interior de ti própria e, desse modo, te conhecesse; não olhar para os outros era a tua forma de manter as cortinas cerradas.
Mas certamente por distracção ou descuido, terá havido um momento em que o teu olhar recaiu no parque dos baloiços e, quando deste por ti, todos os dias espreitavas aquele canto abandonado do cenário.
Entristecia-te ver os baloiços sempre abandonados e estáticos, como se fizessem sentido apenas quando usados por alguma criança irrequieta ou aborrecida ou sonhadora e não possuíssem qualquer valor intrínseco.
O que sentiriam os baloiços, se pudessem sentir? Talvez algo semelhante ao que tu própria sentes, por vezes: uma desadequaçãoem relação à vida e aos outros; como se estivesses a mais no mundo.
Por vezes, perguntavas-te distraidamente: e se eu fosse [LER_MAIS] um baloiço? E concluías que a existência de um baloiço não será assim tão diferente da vida de qualquer pessoa: ambos sobem e descem ao sabor de forças misteriosas que não controlam, num perpétuo movimento oscilatório, ascendente e descendente, frequentemente interrompido por momentos de imobilidade e irrelevância, de espera, de adiamento.
Espreitavas o parque dia após dia na esperança de ver crianças naqueles baloiços, rindo bem alto e gritando iupiiiiii (será que as crianças ainda gritam iupiiiiii?) ou baloiçando-se silenciosa e sonhadoramente, como se não pensassemem mais nada, como se não desejassem mais nada; como se fossem simplesmente vento.
Sem pensar nem desejar, apenas sendo;livres de passado e futuro, vigorosamente sincronizadas com o presente. Afastavas-te do parque no teu passo arrastado de quem quer sair de onde está mas não quer chegar a lado nenhum, a imaginar o dia em que encontrarias os baloiços ocupados por crianças; quando isso acontecesse, interromperias a tua caminhada e ficarias durante alguns instantes a apreciar o movimento dos baloiços, a escutar os iupiiiiiis; a sorrir.
Mas os dias sucediam-se e nada realmente mudava, apesar de ser evidente que a vida está em permanente mutação.
Na verdade, suspeitas que basta um pequeno pensamento para que algo mude irremediavelmente; e tudo o que é preciso fazer é pensá-lo.
O pequeno pensamento, inesperado e surpreendente, que te fez suspender os passos e imobilizares-te durante alguns segundos surgiu numa manhã de primavera, quando te distraías a sentir o sol no rosto e a cheirar a atmosfera saturada com o odor a flores.
Pensaste: e se for eu a gritar iupiiiiii?
Foi esse o pequeno pensamento, inesperado e surpreendente; e apesar de não te lembrares da primeira vez em que reparaste nos baloiços, certamente que irás recordar sempre a primeira vez em que andaste naqueles baloiços.
*Escritor