Ao cabo de 70 anos dedicados à indústria de moldes, anunciou que deixa em definitivo a vida activa. O que motivou esta decisão?
A minha idade. E também porque a empresa Topo atravessava dificuldades. Tinha clientes com dívidas. Foi uma conjugação de motivos.
Qual foi o segredo de tamanha longevidade na carreira profissional?
Até estou a passar um mau bocado por falta dessa rotina de trabalho. Gosto muito da profissão. Fui gravador de moldes. Comecei a trabalhar quando tinha cerca de 12 anos. Quando acabei o curso na Escola Industrial e Comercial da Marinha Grande, tinha 19 anos, o meu tio Edilásio promoveu-me a encarregado. Meteu-me de tudo à disposição para trabalhar na gravação. Portanto, ganhei grandes condições para trabalhar. E eu também era muito produtivo.
Que legado deixa à história industrial da Marinha Grande?
A Molde Matos, a Plimat, a Matosplás e a Plimex, projectos onde fui co-fundador. Também o facto de ter liderado a Cefamol durante 22 anos, entre presidência e vice-presidência. E acho que fui um bom professor, um bom mestre de serralharia de moldes. Assim como nos projectos. Acho que nos moldes estive bem no início e no fim. Fui guarda-redes e ponta-de-lança.
Qual foi o projecto que mais prazer de lhe deu fazer?
O projecto maior que fiz foi a Plimat, que resultou da Molde Matos. Por tudo aquilo em que ela se tornou.
Tem passado os últimos anos entre Marinha Grande, Alcobaça e Cascais. Continua a ter a cidade da Marinha Grande como a sua casa?
Gosto mais da cultura de Alcobaça. A Marinha Grande tem mais ou menos a idade dos Estados Unidos. Surgiu depois do grande terramoto de Lisboa. Alcobaça tem cerca de 800 anos. E a Marinha Grande é uma mistura de gente que vem de todo o lado, que se mudou em busca de emprego. O problema é que, também fruto dessa mistura, isto nunca teve bases culturais que sustentassem a cabeça das pessoas. A minha casa é Timor, onde estive dois anos durante a Guerra Colonial. Parti a 24 de Fevereiro de 1962 e regressei a 25 de Junho de 1964. Foi uma pequena passagem na minha vida, mas tempo suficiente para apreciar os valores, a cultura primitiva de Timor. Era na sua origem uma sociedade matriarcal. Alguns entendiam que aquilo estava muito ligado aos portugueses. É verdade, mas só em certa parte. Havia uma mistura entre o catolicismo e a maneira primitiva de os timorenses verem um Deus. Para os timorenses não havia propriamente um Deus. Havia a admiração por uma grande árvore ou por um homem muito bom. Casei-me cá e meses depois fui para Timor, onde fui segundo-sargento miliciano. Foi lá que ofereci o meu fato de casamento ao mainato [empregado doméstico]. Na actividade militar só precisávamos de camuflados. Para o bem e para o mal, Timor teve grande influência em mim. Talvez por essa minha experiência, nunca dei grande importância ao dinheiro.
E que diferenças encontra na Marinha Grande de hoje e na terra que o viu nascer há 83 anos?
Do ponto de vista tecnológico, esta é talvez a cidade mais digital do País. Tem uma cultura hoje mais moderna. Mas é pior, do ponto de vista humano. Do ponto de vista tecnológico teve grande crescimento. E também acredito que [LER_MAIS]contribuí para isso, com grandes equipamentos tecnológicos que chegaram à Molde Matos. Melhorou incomparavelmente na qualidade de vida que oferece. Na casa da minha mãe, a cozinha era de terra batida com chão coberto de junco. Mas a qualidade de vida não se mede pelos automóveis, não se mede pela tecnologia. Em certos sítios do interior do País, é melhor do que aqui. E até podem ganhar menos. Em Alcobaça não se vê gente a passear com carros de gama alta. Têm um carro que está bom e andam nele 20 ou 30 anos. Qualidade de vida é ter uma vida simples, em contacto com a natureza. E é ter actividade cultural. Onde há muros velhos, antigos, mas preservados, há geralmente cultura. Aqui vive-se mais em caixotes.
Na semana passada, a população escolheu um movimento independente para liderar os destinos da Marinha Grande. Que impacto terá esta mudança, em especial na vida económica da cidade?
A Marinha Grande deu menos aos empresários e aos trabalhadores, do que os empresários e os trabalhadores deram à Marinha Grande. A partir de agora não muda muito. Por muito boa vontade que Aurélio Ferreira tenha, e tem, e é honesto e trabalhador, o sistema não deixa. Embora eu ache que ele vá ser um bom presidente. Mas pode não conseguir. Há um sistema, há um Governo. Embora hoje também já exista mais poder nas autarquias. E vai haver ‘bazuca’. E que diferenças encontra entre os jovens de hoje e os de outrora? Os jovens de hoje têm mais formação. Também estão formatados. Formatados para produzir, para ter filhos, embora não o tenham feito muito… Mas são melhores. No meu tempo, não se via um homem a ajudar a mulher a carregar o saco de compras ou a segurar os filhos ao colo. Segui todos os movimentos do Maio de 68 em França. Enquanto na Alemanha as mulheres ainda continuavam a caminhar a metros de distância dos maridos, já Portugal estava mais avançado no que respeita a esta alteração da relação homem-mulher. Em pouco tempo, seguimos a França.
E como vê o papel que as mulheres desempenham hoje nas organizações e nas empresas?
As mulheres e os homens são iguais no sentido lato do termo. Tive três secretárias. Todas elas foram top. Em termos profissionais, elas têm valor acrescentado em relação ao homem. Até porque têm necessidade de afirmação, por causa de certos resquícios de machismo.