No princípio, quando vieste depositar-me no lar, quase não saía do meu quarto; sentava-me junto da janela e olhava o céu, via as nuvens passarem durante horas e horas e horas; depois, de repente, deixava de as ver, apesar de continuar a olhá-las: os olhos enchiam-se de imagens, que desfilavam lentamente perante mim (dentro de mim), envoltas em nostalgia e saudade, em melancolia.
Até que certo dia me cansei de chafurdar no passado e comecei a sair mais; dava umas voltas pela rua do lar, devagarinho, olhando isto e aquilo, tentando esquecer as nuvens, não as espreitar. Caminhar, sem destino nem objectivo, sem esperança de encontrar nada mas também sem sentir que fugia a algo, a alguém; andando, apenas. Consumindo os últimos passos, gastando o tempo, a energia, a impaciência; disfarçando o vazio; e etc.
Percebes? E etc. O futuro é sempre um etc. Mas antes do futuro, está o presente. Problemas concretos do presente; por exemplo: como ocupar o tempo? A sala de convívio – convívio? – do lar nunca me pareceu uma opção aceitável; incomodava-me (não: assustava-me) toda aquela imobilidade e desinteresse, aquele silêncio resignado e complacente, aquela espera paciente e tranquila, plácida; perturbava-me, especialmente, a sensação de que quando olhava para alguém, para qualquer um daqueles velhos estáticos e petrificados, estava verdadeiramente a olhar-me num espelho; como se ali não existisse individualidade, apenas repetição.
Os passeios surgiram, então, como única alternativa à clausura claustrofóbica do meu quarto; e, lentamente, foram-se expandindo, prolongando. Sabia-me bem o cansaço, o suave protesto do corpo que distraía a alma de outras dores.
[LER_MAIS] Também gostava de observar a indiferença das pessoas com quem me cruzava, das pessoas que passavam apressadas e rígidas, alheadas; olhava-as, curioso e fascinado com o grau de concentração em si próprias que revelavam, como se afastassem e excluíssem o mundo das suas preciosas vidas, como se fossem auto-suficientes e plenas.
Pensava como também eu fora assim, um dia; e sorria. Quase nunca pensava em ti, apesar de por vezes me perguntar distraidamente por que motivo não me visitarias (telefonemas, apenas no início; depois, também cessaram); sim, sentia saudades: mas não te criticava o distanciamento, o desinteresse; limitava-me (e, na realidade, até isso era raro) a perguntar porquê; não especulava respostas, não arriscava teorias.
Limitava-me apenas a esperar que um dia destes (num feriado, talvez; ou numa manhã de natal; no etc.) aparecesses, sorridente e apressada. E então poderia (não significa que o faça; mas ainda me é permito fantasiar, suponho) perguntar-te porquê. Mas voltando aos problemas concretos do presente.
Caminhar, sem destino nem objectivo, sem esperança de encontrar nada mas também sem sentir que fujo a algo, a alguém; andando, apenas. Consumir os últimos passos, gastar o tempo, a energia, a impaciência; disfarçar o vazio; sem etc.
*Escritor