A gentrificação consiste num fenómeno que tem como consequência a “expulsão” das classes de menores recursos económicos dos centros das cidades atirando-as para os subúrbios das zonas periféricas.
E isto acontece quando naquelas zonas, já degradadas e desvalorizadas, se constroem novos edifícios destinados a grupos de elevado estatuto económico, que são depois vendidos ou arrendados a preços que os antigos moradores não podem pagar. Passam a existir duas cidades dentro da cidade, que se distinguem, e muitas vezes se opõem, de acordo com o estatuto social dos residentes.
Este modelo de cidade é profundamente anti-democrático e conduz à criação de “guetos para ricos e para pobres”, com tudo o que isto tem subjacente. Este fenómeno é já patente em Lisboa e Porto, sendo que aí é também potencializado e facilitado pelo turismo.
Em Leiria a situação não se coloca ainda de forma premente. No entanto, julgo que é necessário fazer algo para evitar que tal venha a suceder. E isto porque existem já alguns projectos para a zona histórica que poderão vir a constituir um motor da gentrificação local.
Esses projectos destinam-se apenas a pessoas com forte poder económico, uma vez que o preço dessas habitações não será compatível sequer com um rendimento médio.
[LER_MAIS] É pois, urgente, que se tomem medidas para evitar que esse tipo de construções altere de forma irreparável o tecido social da cidade e em particular da zona histórica. Não se pode permitir que os ainda residentes locais sejam daí expulsos, o que aliás se tornou bem mais simples após a aprovação, em 2012, da nova Lei do Arrendamento Urbano, a qual facilita os despejos de forma directa, mas também indirectamente ao permitir o aumento das rendas para montantes inacessíveis.
Como evitar este perigo ? Aqui a Câmara terá um papel preponderante e decisivo a desempenhar, através da aquisição de imóveis situados nessa mesma zona histórica que deverá depois converter em habitação social ou subsidiada, destinando-a a pessoas com menores recursos .
Poderão equacionar-se outras soluções que iriam, de certo modo, onerar os promotores imobiliários, “obrigando-os” a destinar 10 ou 20% das construções a um mercado acessível a pessoas mais carenciadas. Entendo, no entanto, que a hipótese de intervenção da Câmara que se deixou referida será, por razões que me parecem óbvias, a solução mais viável e adequada.
Assim, no mesmo espaço urbano deverão coabitar diversos estratos sociais, com diferentes estatutos e diferentes culturas que poderão entre si interagir, contribuindo para a formação de uma sociedade diversificada, multicultural e inclusiva.
É esta uma das formas – e muitas outras existirão – que podem ser utilizadas para tornar Leiria numa cidade mais democrática e mais homogénea na sua heterogeneidade .
* Advogada