Clementina Vieira, carinhosamente tratada por ‘Tininha’, tinha “quatro ou cinco anos” quando começou a aprender croché. Foi a tia, com quem vivia em Lisboa, quem a iniciou numa arte que aprimorou com o passar dos anos, os mesmo anos que, aos poucos, lhe roubaram a visão.
Cegou totalmente aos 76 anos, mas nem assim deixou a renda de lado. Hoje, chegada às nove décadas de vida, continua a dar azo à paixão pelo croché, que redescobriu quando, já invisual, se mudou para o lar da Misericórdia de Porto de Mós.
Aos 90 anos, completados em Julho último, mostra agora o seu trabalho ao público através da exposição Croché de visão táctil, que pode ser vista, até ao dia 15 de Outubro, no Museu Municipal de Porto de Mós.
Clementina Vieira conta que o primeiro contacto que teve com esta arte foi através de uma tia. “Ela trabalhava como telefonista, mas aos domingos costurava e bordava para fora. Para me entreter, sentava-me num banco e ensinava-me croché”, recorda. O gosto ficou. Ainda na escola, sempre que podia, comprava revistas da área para “copiar os desenhos”.
Mais tarde, quando deixou os estudos para ajudar no negócio da família, proprietária de uma pensão no Rossio de Porto de Mós que funcionava também como taberna, aprendeu com a mãe a arte de bordar à mão e à máquina, que aperfeiçoou com uma bordadeira de terra.
O gosto pela renda acompanhou-a ao longo da vida e, já na reforma, viria a tornar-se uma fiel companheira. “Olhava para a televisão, mas só ouvia. Precisava de algo para me ocupar e distrair a cabeça.”
Quando cegou por completo, percebeu que, se conseguir idealizar os desenhos na cabeça, é capaz de reproduzir os movimentos que executava quando via. Desse trabalho de memória, saem-lhe barcos, cadeiras, mesas, malquereres e outras flores, chapéus e pequenos sacos, que transpõe para o croché.
“Quando se faz isto uma vida inteira, a ideia fica”, diz Clementina Vieira, admitindo que, de tempos a tempos, pede ajuda para perceber se está a ir bem. Outras vezes, ela própria descobre pontos mal executados. Nesses casos, só há uma solução: desmanchar e fazer de novo. “Não vejo o resultado final, mas gosto de ficar com a ideia de que fiz o melhor”, justifica.
Além de ajudar a passar o tempo, a renda funciona também para Clementina Vieira como uma espécie de ‘fisioterapia’, ajudando-a a exercitar os braços e as mãos. As pernas, essas, ainda marcham “bem”, exercitadas com os passeios diários que, antes da pandemia, fazia pela vila, acompanhada por uma amiga, e que agora teima em manter, dentro das instalações do lar.
“Não vendo, tendemos a ficar sentados o dia todo, a ouvir a televisão, a pensar em coisas que não devemos. Quando estou a fazer renda, não penso em mais nada”, diz Clementina Vieira, que gosta também de participar nas várias actividades promovidas no lar ligadas à arte e de fazer ditados . “Há anos que não leio nada e, às vezes, tenho dúvidas com certas palavras”, conta Dona Tininha, que trabalhou, durante 24 anos, na Cooperativa Agrícola de Porto de Mós, onde foi escriturária.