A Lagoa da Ervedeira é um dos locais favoritos de Licínio Pereira para fazer as suas corridas. Praticamente todos os dias, aproveita os passadiços e os caminhos à volta daquele espelho de água para se manter em forma.
Porém, à medida que se dava o desconfinamento e o Verão se instalava, começou a aperceber-se que as pequenas árvores que tinham sido plantadas na zona, para recuperar alguma da vegetação perdida no incêndio de 2017, que destruiu 86% da Mata Nacional, estavam a morrer à sede.
A situação causou-lhe estranheza, como havia já causado o facto de terem sido plantadas em Março, pelo menos quatro meses demasiado tarde, para que pudessem beneficiar das chuvas do Inverno e início da Primavera.
Pragmático, deitou mãos à obra, com uma enxada, criou caldeiras em torno de todos os pequenos pinheiros, medronheiros, zimbros e árvores autóctones viáveis que encontrou. Depois, com a ajuda da família, começou a regá-las.
“Isto é tudo areia de sílica, lavada, pobre, sem nutrientes. Não absorve água e, quem já caminhou na praia, num dia quente de sol, sabe o quanto a areia escalda e queima os pés. Aqui é a mesma coisa”, conta o engenheiro agrónomo.
No sábado, voltou a fazer uma rega, desta vez com a ajuda de 15 voluntários,. Todos, assegura Licínio, pessoas que não utilizam a lagoa como espaço balnear, mas que se preocupam e sentem amor pelo espaço.
“A Junta de Freguesia ofereceu-nos uma moto-bomba, para facilitar a tarefa. Mas não é fácil ver tudo a secar e a quantidade de plantações ilegais de eucalipto. São já mais de 90% do total das árvores aqui, quando antes do fogo eram 10%. Já denunciámos às autoridades, mas o Instituto da Conservação da Natureza e das Florestas (ICNF) pouco tem feito”, diz Virgílio Cruz, vice-presidente dos Amigos da Lagoa da Ervedeira, que também tem apoiado a iniciativa de rega.
Já Licínio Pereira entristece-se por a autarquia e o ICNF “terem aparecido para fazer a plantação” e, “depois virarem as costas à continuidade do trabalho”. Pela sua estimativa, já muitas das árvores plantadas em Março morreram de sede.
Os seus esforços e dos voluntários salvaram mais de três centenas, que são fruto das acções de plantação e do seu trabalho paciente em busca de árvores que germinaram espontaneamente e que teriam morrido sem rega.
“Bastaria ter sido feita a rega durante a primeira época quente”, explica o engenheiro agrónomo, apontando a ausência de método na plantação promovida em Março: “tudo o que foi plantado na areia em zonas altas está morto. Dever-se-ia ter indicado aos voluntários que deveriam ter disposto as plantas nas zonas baixas e húmidas”.
Em Outubro e Novembro, quando vierem as primeiras chuvas – a época ideal para plantar árvores – Licínio e o seu braço direito, o amigo Henrique, pretendem pedir à Câmara de Leiria mais plantas para substituir as que se perderam.
“Se a Câmara não as oferecer, vamos comprá-las do nosso bolso”, promete.
A próxima rega deverá ser no sábado, dia 1 de Agosto, mas a confirmação será dada na página de Facebook dos Amigos da Lagoa da Ervedeira.
Cenário na Mata Nacional
O cenário de árvores mortas por falta de rega, após as acções de plantação, não é exclusivo da Ervedeira. Na verdade, toda a Mata Nacional sofre do mesmo problema, embora, nalguns casos, como o plantio foi na época da chuva, há maior sucesso.
“A rega é tecnicamente impossível dada a extensão da área ardida.”
A acompanhar uma visita ao Pinhal de Leiria que a comissão técnica do Observatório Técnico Independente das Florestas, do Parlamento, fez, na terçafeira, ao Pinhal do Rei/Pinhal de Leiria, Gabriel Roldão, membro do Observatório diz, por aquilo que pôde empiricamente observam, “a maioria das árvores” que foram plantadas, nos últimos anos, não terão sobrevivido.
O JORNAL DE LEIRIA solicitou ao ICNF uma estimativa de quantas árvores plantadas por voluntários sobreviveram até agora, e não obteve resposta em tempo útil. Mas, no ano passado, o ICNF admitia que entre 70 a 80% das árvores plantadas para reflorestar as áreas ardidas nas matas nacionais do litoral haviam morrido, devido aos picos de calor de 2018 e 2019.
Roldão, investigador, autor do livro Elucidário do Pinhal do Rei e voz activa na denúncia da situação de esquecimento para onde a mata, há quase duas décadas, foi atirada e que culminou na destruição da Mata, em 2017, afirma que o plantio da zona destruída pelo grande incêndio “passou para as calendas”, perante a ausência de soluções das entidades oficiais, com destaque para o ICNF e Governo.
Em final do mês de Junho, o PS chumbou na Assembleia da República (AR) um texto de recomendação conjunta de outras forças políticas, pela recuperação do Pinhal do Rei. O documento contou com o voto favorável de todos os outros grupos parlamentares, pelo que a posição dos socialistas, que também lideram a Câmara da Marinha Grande, deixou perplexas militantes de todo o espectro político, incluindo do PS local.
Entre outras medidas, a recomendação – não vinculativa – propunha a aprovação de planos de requalificação, reflorestação e de gestão florestal, meios financeiros e humanos para o ICNF e a consignação de 13 milhões de euros, no Orçamento, para recuperar a mata.
Em Maio, Nuno Banza, presidente do ICNF, admitiu, na Comissão Parlamentar de Agricultura e Mar, na Assembleia da República, que, a médio prazo, não se conseguirá repor a paisagem, o valor e o património.
“Não vamos conseguir replantar todo o Pinhal do Rei […]. Não estamos a enjeitar as nossas responsabilidades, nem a dizer que não vamos fazer aquilo que temos para fazer, mas há uma coisa que não vamos conseguir fazer, que é repor no prazo de que gostávamos o património que se perdeu”.
O responsável referiu que são precisas áreas de paisagem florestal biodiversas, com capacidade de ter uma maior resiliência ao fogo e “não apenas numa perspectiva da produção florestal”.
As medidas abrangem a Mata Nacional de Leiria e as Matas do Pedrógão (Leiria) e do Urso (Pombal).
Não referiu quando e como.