O final do ano foi atípico e o início deste ano lectivo traz mais desafios. Que perspectiva tem?
Relativamente ao panorama nacional, vamos encontrar muitas realidades, como escolas sem condições nenhumas para manterem o distanciamento social mínimo e com problemas gravíssimos nos refeitórios. O sistema take away não vai resolver só por si. No Centro de Estudos de Fátima [CEF] temos uma vantagem: somos uma escola enorme, preparada para o dobro dos alunos que nos autorizam a ter, o que significa que não nos faltam salas. Temos um refeitório para 300 alunos, logo, é fácil transformá-lo para 150 e fazer refeições por turnos. Já tínhamos carteiras individuais, portanto, quase que estávamos preparados para uma contingência deste tipo. No entanto, há cuidados que temos de ter. A piscina, que servia não só os nossos alunos, mas principalmente a população de Fátima, vai continuar encerrada. As instalações desportivas serviam um conjunto de associações e agora há muitas restrições.
Como vão decorrer as aulas de Educação Física?
Pelo que sei, a Direcção-Geral da Saúde ainda vai emitir um documento com algumas recomendações. De qualquer maneira, temos um plano preparado: os desportos colectivos de bola não vão existir. Vamos privilegiar os desportos individuais como o atletismo e a actividade ao ar livre. Estamos a fazer uma reformulação de toda a planificação dos conteúdos que se pretendem dar na Educação Física. Temos também o problema dos laboratórios de informática e de ciências experimentais. Há determinadas actividades como a utilização de microscópios que não vão poder ser feitas. Não vamos estar a desinfectar oculares a toda a hora. Nos laboratórios de informática é comum a partilha de computadores, o que não poderá ser feito.
Como fica a socialização e a concentração dos alunos, quando se sugerem intervalos mais curtos?
Temos de conciliar o que será o óptimo com o que também é importante para o desenvolvimento da criança. As cargas horárias continuam a ser grandes, os miúdos passam muito tempo na escola. O CEF não vai fazer o desdobramento de manhã e tarde. As escolas têm a obrigação de ser inventivas, para terem as crianças em segurança, respeitando as regras o mais possível, porque os pais têm de trabalhar e o País não pode parar. O confinamento mostrou o quão importantes são as escolas para que o País produza. Não vamos optar por intervalos mais pequenos. Cumprindo os tempos da matriz curricular, vamos desfasar os intervalos, de modo a que possam usufruir de, pelo menos, dez minutos de pausa. É evidente que haverá uma vigilância acrescida para evitar os contactos corporais. A experiência recente do regresso às aulas do secundário mostrou que, independentemente de todos os cuidados, ao fim de algumas horas os alunos esquecem a Covid. Vamos esforçar-nos ao máximo, mas temos de ser realistas. Não devemos viver com medo. Devemos viver sim com consciência de que existe um perigo e que temos de ter cuidado. Não vamos tornar a escola num sítio odioso para os jovens. Temos de continuar a fazer desta escola uma escola amiga dos alunos e das famílias, onde se viva bem e onde se goste de estar.
Mas pode correr mal.
Estou confiante, mas realista que isto pode correr muito mal. Não sabemos como vai ser o Inverno. O meu grande receio é do pânico que se pode instalar nas famílias. Quando o governo decidiu encerrar as escolas, achei prematuro. Do ponto de vista pandémico, continuo a achar, mas do ponto de vista do pânico gerado nas famílias considero que fez bem. Se tivéssemos três ou quatro suspeitas, os alunos deixariam de vir à escola. O meu receio é que se crie pânico, apesar da população estar muito mais consciente. Gostaria, por isso, que se agilizasse o despiste de um caso suspeito na escola. É preciso transmitir que não é por aparecer um aluno positivo que todos vamos ser contagiados. Tenho a certeza que vou ter dez casos por dia com gripe ou com uma amigdalite e vamos ter as escolas em pânico.
Tem casos de risco que obriguem professores ou alunos a ficar em casa?
Tenho um ou dois casos de alunos que me enviaram um atestado médico a dizer que não podem assistir às aulas presencialmente. Vamos ter de gerir o receio da família com o que é ideal para o aluno. Se tivermos alunos que comprovadamente não podem vir à escola, vamos transmitir as aulas em tempo real. Mas, seria muito mau se um aluno ficasse um ano inteiro em casa sem vir socializar com os colegas. Apesar de um ou outro professor de risco, eles já manifestaram que não pretendem ficar em casa. Se houver necessidade, os professores estarão em casa a dar as aulas e os alunos na escola, com a supervisão de outro professor, de um funcionário ou de um aluno que faça tutoria.
O ensino à distância ‘de um dia para o outro’ revelou a qualidade das escolas e dos seus professores, que montaram um sistema desconhecido em pouco tempo e que, na maioria, das situações funcionou?
Constatou-se o que já sabíamos: temos um grupo de professores fantástico. No CEF, temos uma escola com uma filosofia de muita delegação. Houve um conjunto de professores que rapidamente construiu um modelo de ensino à distância. Na quinta-feira, foi decidido que as escolas iam fechar, na sexta-feira, os nossos alunos levaram trabalho para fazer em casa e, na segunda-feira, já tínhamos duas plataformas para trabalhar à distância. Criou-se um call center com cinco professores para tirar dúvidas aos pais e aos alunos, que fez na [LER_MAIS]primeira semana mais de 250 intervenções. Na terça-feira estávamos a trabalhar em ensino à distância. Uma empresa ofereceu computadores a alunos carenciados e tínhamos portáteis, que cedemos aos alunos. Se correu bem no final do 2.º período, o 3.º período, regra geral, correu muito bem. Correu tão bem que acho excessivas as cinco semanas de início deste novo ano lectivo para consolidar os conhecimentos não aprendidos. O diagnóstico que foi feito mostra que não precisaríamos de tanto tempo. Os alunos mostraram que têm capacidade para aprender e mostrou-se que as tecnologias são importantes. O papel do professor tem de ser muito mais de orientador, de um mentor e amigo, porque os alunos têm capacidades. Hoje em dia, se quiser recordar como faço a raiz quadrada vou à internet. Até para atar o sapato ou colocar azulejos posso ver como se faz no youtube. Os miúdos têm é de ser canalizados para o gosto de aprender, para o conhecimento. O professor detentor do saber já não existe. Continuamos a ter muitas disciplinas onde a forma de dar as aulas é muito parecida com o que era há 40 anos. O modelo é ainda da escola cristã, dos jesuítas. O confinamento veio provar que é possível fazer diferente, mas há muitos professores que continuaram a fazer as sessões síncronas como se estivessem em sala de aula e é isto que temos de rever. A tutela tem de dar mais liberdade e tem de deixar as escolas serem imaginativas. Houve experiências muito interessantes e professores que se revelaram e que fizeram um trabalho acima até do que seria razoável.
Este método também evidenciou a responsabilidade dos alunos, contrariando a ideia de alguns de que os jovens são uns ‘baldas’?
Lembro-me bem de quando era aluno e não acho que fosse mais responsável do que esta geração. Somos diferentes. O mundo mudou. Os desafios são diferentes. Mas, estes alunos são muito bons, têm muito conhecimento. Lêem menos, porque hoje o conhecimento é mais imediato, está na internet. Os jovens precisam é de ser orientados. Hoje também leio menos, mas vou buscar informação a coisas que nem imaginava. Os jovens quando são bem estimulados produzem trabalhos idênticos ao que eu produzi no final da minha tese no ensino superior. Eles fazem coisas com muita qualidade. Depois temos o sexo feminino, que evoluiu muito em 40 anos. No meu tempo os melhores eram rapazes. Hoje, há rapazes muito bons alunos, mas em quantidade há mais raparigas, o que só mostra que os dois géneros têm capacidade para serem muito bons.
Mas há alunos que não gostam de estudar e preferiam trabalhar.
Mas o importante é que todos gostem de aprender. O ensino profissional representa 20% da escola e há trabalhos de final do curso fantásticos. Alunos que não gostavam do ensino dito regular conseguem desempenhos fantásticos no ensino profissional. Mas eles são o reflexo da família. Hoje os pais vêem os filhos como os seus principezinhos e querem-lhes dar tudo, às vezes até mais do que aquilo que se pode. Os bens materiais são importantes, mas não são o essencial. A sociedade está diferente, mas os alunos não são piores do que há 30 anos.
Em entrevista ao JORNAL DE LEIRIA, o presidente da Aricop falou da necessidade de formar pedreiros, canalizadores e outros profissionais, que até têm bons salários, mas os pais não querem essa profissão para os filhos. Como se cativam jovens para estas profissões tão necessárias?
Quando até os políticos dizem que não há canalizadores, o ensino profissional tem de ser reformulado. O ensino profissional funciona e é uma boa realidade. O problema são as regras de funcionamento. A nível central há que admitir que alguns cursos não vão funcionar com turmas de 20 ou até dez alunos. Tem de haver um custo assumido para suportar cursos de canalizador, por exemplo, para três ou quatro alunos. Tem de se perceber que se precisamos de 100 ou mil canalizadores no País, tem de haver um período em que haja um estímulo para os jovens realizarem esses cursos para resolver este problema. Depois há outras profissões que também precisam de formação, mas mais curta, e de uma cultura geral sólida. Para ser pedreiro, se calhar não se precisa estar três anos a aprender. Mas pode-se ter sistemas mistos, onde se ensinam várias profissões. Se pensarmos em cursos multidisciplinares talvez fossem mais atractivos. Mas esta decisão tem de ser o primeiro-ministro a dizer: durante cinco anos vamos formar técnicos multifunções, mesmo que seja com turmas de apenas cinco alunos.
Oficial do exército a comandar alunos