Ler aqui a primeira parte da entrevista
É natural da Guarda, como foi crescer lá?
Vivi lá até aos 17 anos. Criei o Núcleo Filatélico da Guarda e, com 16 anos, organizámos a primeira exposição Filatélica Internacional do país. Fomos para Salamanca, com o carro do cônsul. Pertenci à comissão nacional de estudantes no antigo 7.º ano. Com 12 ou 13 anos, criámos a Associação Académica da Guarda. Fui presidente da JEC – Juventude Escolar Católica. Depois afastei-me da religião. Acho que foi uma evolução da minha parte. Fiz a profissão de fé e até ajudei na missa. Tenho uma família católica, mas fui-me afastando. O Deus ou os deuses, foi criado pelas pessoas, é uma forma de pensar que tem séculos, mas não ultrapassa aquilo que foi criado pelos homens. Foi para medicina por pressão da família? Na altura ia para Medicina qualquer um. Poucos tiravam aquilo a que agora se chama o ensino secundário. Na região da Guarda só havia uma escola que dava acesso ao secundário. Tive muitos amigos que saíram de casa com 9/10 anos para ir estudar e só iam a casa nas férias. Também havia muita emigração e esses, sim, tinham um objectivo: ter um filho doutor. Os colegas da minha turma formaram-se todos. Para entrar em Medicina faziase a aptidão. Era uma pró-forma. Desde os quatro anos que meti na cabeça que ia ser médico.
Era bom aluno?
Nunca fui de mais nem de menos. Fui sempre sobrevivendo. Tirava as minhas notinhas e nunca reprovei nenhum ano. Só comecei a gostar de estudar quando fui para a faculdade. Até aí cumpria os objectivos e pouco mais. A inteligência é muito importante, mas mais importante é o carácter, a integridade e a humildade. Os grandes são humildes.
Pediatria porquê?
Poderia ter escolhido a especialidade que quisesse. Na altura trabalhei muito tempo com doentes terminais e eu e os meus colegas organizámos a área da hemodiálise do hospital dos Covões. O director queria que eu fosse para nefrologia, a minha mãe queria que eu fosse para cardiologia. Fui para pediatria porque era um jovem da revolução do 25 de Abril, romântico. Dos serviços por onde passei o que mais me marcou foi o velho hospital pediátrico, porque funcionava como um hospital do século XXI. Tinha uma metodologia de formação, de discussão, de revisão de casos de trabalho em equipa. Era um hospital do outro mundo e criou uma escola. Quando se discutem casos que não correram bem não é para procurar quem falhou. As falhas em saúde são do sistema. O principal objectivo é identificar os factores que contribuíram para essa falha para que tentemos que não se voltem a repetir.
Trabalhava 12 horas por dia, vai conseguir desacelerar?
Vou continuar [LER_MAIS]a trabalhar, mas com mais prazer naquilo que me dá gozo. Vou continuar a estudar, algo que gosto muito de fazer. Sou presidente do júri de equiparação à especialidade de pediatria e presidente da Sociedade Pediátrica da Qualidade. Tenho sempre muito que fazer. Doze horas era agora. Fiz urgência como director de serviço durante anos e anos e eram 24 horas e muitas vezes duas urgências por semana e mais. Portanto, eram muito mais do que 12 horas.
Consegue separar o avô do pediatra?
Consigo, mas não é fácil. É também uma experiência adquirida. Com filhos de colegas e de pessoas amigas tenho sempre uma disciplina que é fazer a mesma coisa que faço com qualquer outra família. Faço sempre aquilo que acho que é o melhor para cada criança. Há muitos pais que nem sabem o que ganharam por me terem como pediatra – passando a imodéstia – porque pouparam milhares em exames complementares, em antibióticos e em sofrimento. Estraga a neta com mimos? Dou alguns mimos. As avós é que são piores. Eu tento manter algumas regras.
É diferente ser avó e ser pai?
Costuma dizer-se que os avós são pais duas vezes, mas a diferença de idade faz-nos olhar de outra maneira para as crianças, torna-se a ter saudades de quando fomos pais. É um regresso ao passado. As crianças devem ficar com os avós se puderem, pelo menos até aos três anos, tendo também o cuidado dos pais não abusarem dos avós. Mais importante do que o contacto com outras crianças é a história da família. Passar os hábitos, a cultura… isto faz crescer uma criança. Acredito que o contacto com os avós é fundamental para a formação integral do crescimento de uma criança. Mesmo que os pais digam que os avós estragam as crianças.
E estragam?
Quem estraga são os pais e metem as culpas nos avós. Os avós facilitam um bocadinho, mas as regras têm de ser criadas em casa. Os pais, pelas dificuldades sociais e pela pressão do trabalho, depositam as crianças às 8 da manhã e vão buscá-las às 8 da noite e depois tentam compensá-las com prendas, com ausência de regras. Já me aconteceu ter uma criança que escreveu uma carta ao pai natal a pedir que que os pais lhe dissessem ‘não’. Dá para acreditar?
As crianças são o melhor do mundo?
As crianças são os seres mais fantásticos que nos podem trazer muitas alegrias e muita felicidade e temos de as tratar exactamente como sendo mesmo isso: o melhor do mundo. As crianças são seres fabulosos, seres desconhecidos que sabem sempre muito mais do que parece, que aprendem a conhecer e a associar ideias muito antes de falarem. Às vezes, nós é que damos cabo delas. Tenho crianças que fazem cálculos mentais que me deixam de queixo caído e depois vão à escola e, em vez do ensino se adaptar às que fogem ao padrão, vamos formatá-las.
Tem paixão por restaurantes.O Ao Largo [dos filhos] é o melhor?
Posso ser suspeito, mas o Ao Largo é um dos melhores restaurantes da região centro e arredores. É um restaurante pequeno, mas que tem uma coisa muito importante: o contacto pessoal e humano com as pessoas que frequentam o restaurante. Tem funcionários fantásticos e duas cozinheiras fabulosas. Mas sou capaz de me deslocar a um bom restaurante só para comer e beber um bom vinho, especialmente com amigos.
Sócio do Benfica, mas sem fanatismo