Agosto que é Agosto, ou pelo menos Agosto até à chegada da pandemia, sempre foi mês de festa. Período de férias por excelência, Agosto era tempo de arraiais e de romarias, com direito a fogos de artifício e carrosséis. Era tempo de reunir a família e selar romances com casamentos. Era tempo de noites longas entre amigos, nos bares e nas discotecas.
Era. A chegada da Covid-19 mudou as regras do jogo e são muitos os sectores que hoje vêem a sua actividade parada ou quase parada. Nalguns casos é a lei que determina a suspensão, já noutros, contam os empresários, é o medo, a falta de clareza da legislação ou a falta de conhecimento do público que estão a paralisar os sectores.
Casamentos cancelados ou adiados
Pelas contas da BestEvents (empresa responsável pela organização de feiras nacionais e internacionais dedicadas ao casamento) e da revista I Love Brides, foram adiados ou cancelados mais de 30 mil casamentos em Portugal por causa da pandemia do novo coronavírus, de um total de 33.372 que estavam marcados para 2020. Adicionalmente, mais de metade das empresas do sector prevê perdas de facturação superiores a 70% este ano, concluíram as responsáveis pelo estudo citado pela NiT.
Num comunicado que intitularam de O Ano Horribilis dos Casamentos, estas entidades falam de um momento de “grande incerteza” para a esta indústria, que movimenta 4 mil milhões de euros por ano. Os dados foram recolhidos entre os dias 22 e 30 de Junho, junto de 231 empresas do sector, que revelaram uma taxa de cancelamentos e/ou adiamentos de 91%.
Quanto à facturação, mais de metade das empresas inquiridas prevê perdas superiores a 70%. Pedem, por isso, medidas de retoma urgentes, nomeadamente o prolongamento do lay off simplificado para o sector dos eventos até ao final do ano. Sugerem também o apoio à redução de custos fixos e dos custos energéticos, através de linhas de crédito específicas e apoios para a adaptação dos seus modelos de negócio no âmbito da Covid-19, expõem as promotoras do estudo.
A trabalhar no negócio dos casamentos há 35 anos, também Rosa Santos fala ao JORNAL DE LEIRIA do período mais negro de sempre da sua actividade. A gerente da loja Slim Noivas, de Leiria, dedica-se ao comércio de fatos de noiva, de noivo e de cerimónia, e revela que a quebra no sector é grande e transversal aos vários países, sendo que vários fornecedores seus, de marcas estrangeiras, se estão a bater também com dificuldades.
“Nem as famílias estão a aceitar os convites de casamento, por medo de possível contágio”, salienta a comerciante, que contabiliza uma quebra no seu negócio na ordem dos 60%. Não é apenas Agosto. “É um ano todo perdido”, constata Rosa Santos, que, atendendo ao número de casamentos adiados, deposita agora as suas melhores expectativas em 2021. “Que seja um ano de muito trabalho”, deseja a empresária.
Confiante de que possa trabalhar melhor no próximo ano está também Fernando Cardoso, responsável pela Quinta do Paul, que viu o ramo dos casamentos cair cerca de 90%. “Temos puxado por outros serviços, mas não chega para compensar”, salienta Fernando Cardoso. “As pessoas estão a assinalar o casamento com uma reunião de 15 a 20 pessoas e a adiar a grande festa para o ano que vem”, explica o responsável pela quinta localizada na Ortigosa, em Leiria.
O proprietário do espaço dá-se mesmo assim por satisfeito por ter conseguido manter a estrutura do espaço, bem como a sua equipa de 24 colaboradores.
A situação foi diferente para Joana Conde e Alexandra Conde, responsáveis pela empresa Iguarias do Tempo, empresa que se dedica ao catering de eventos em casamentos, aniversários, baptizados e iniciativas de empresas. O negócio ressentiu- se e a equipa de 13 pessoas teve de ser reduzida, lamenta Joana Conde.
“Entre Março e o início de Agosto fizemos um casamento, há três semanas, e que foi um casamento mais pequeno do que o normal. Vamos ter mais dois em Agosto e em Setembro e Outubro, ainda vamos ver”, relata Joana Conde. “Estou também a fazer o segundo evento na casa de um cliente póspandemia”, acrescenta a empresária, frisando que tinha cerca de uma centena de casamentos agendada para este ano. Joana Conde lamenta a falta de informação que se mantém em torno desta actividade. Salienta que os casamentos já se podem realizar com grupos grandes, o que apenas pressupõe gestos idênticos àqueles que as pessoas já estão a praticar nos restaurantes.
As quintas apenas têm de reduzir a lotação, cuidar para que as mesas estejam colocadas a distâncias seguras, assegurar a desinfecção, sendo que, além dos funcionários dos espaços, também os convidados devem utilizar máscara, mas nas mesmas condições em que as utilizam noutros estabelecimentos de restauração.
O problema é que muitas pessoas continuam a julgar que as cerimónias se cingem ao limite de 20 pessoas, lamenta a empresária. Enquanto isso, as empresas do sector “mantêm custos gigantescos e facturam zero”, conta, revoltada, a empresária de Leiria.
Sem arraiais, não há carrosséis nem fogos de artifício
Com as festas e as romarias canceladas pelo menos até ao fim de Setembro, são muitos os negócios que este Verão vivem tempos de muita agonia. Os proprietários de divertimentos itinerantes, bem como os fabricantes de fogos de artifício, fazem parte deste grupo de empresários que está a tentar sobreviver à paragem imposta pela pandemia.
Luís Fernandes, que dirige a Associação de Profissionais Itinerantes Certificados, sediada em Pedrógão Grande, recorda que, depois de se manifestarem em Lisboa, os empresários do sector conseguiram que a sua situação fosse analisada e que a sua actividade pudesse retomar, em meados de Julho. “Mas sucede que as festas e romarias estão canceladas até 30 de Setembro, sem que haja perspectivas da data em que possam retomar. E já há organizações de festas que estão a cancelar os eventos de Outubro”, expõe o presidente da associação.
Surgiram entretanto algumas iniciativas dos próprios empresários do sector, na tentativa de fazer mexer o negócio, mas são pequenos exemplos, nada com grande expressão, explica Luís Fernandes. “Na Figueira da Foz, os empresários reuniram-se e, com lotação condicionada, devida desinfecção, cuidado com zonas de entrada e saída do público, foi possível colocar dez famílias a trabalhar”, refere o presidente. O mesmo aconteceu em Lagos, onde seis empresários do sector conseguiram laborar num parque por eles criado, acrescenta Luís Fernandes.
Com todas as autarquias do País a cancelar os seus eventos públicos, a Câmara de Viseu é uma excepção, pois conseguiu criar uma alternativa à Feira de São Mateus, com a redução de equipamentos no recinto e criação de cinema ao ar livre, exemplifica o presidente da associação.
Mas, no total, continua a ser muito pequena a percentagem de pessoas que se mantém no activo. Talvez 10%, estima Luís Fernandes. Só da sua associação fazem parte 250 empresas de Norte a Sul do País, mas são bem mais aquelas que trabalham no sector, expõe o presidente, para quem 20% a 25% já terão desistido de laborar este ano. “Muitos estão em lay-off, outros começaram a trabalhar noutros ramos de actividade. Agora veremos se conseguirão retomar ou não no ano que vem”, nota Luís Fernandes. “As pessoas não estão a gastar nos divertimentos. Têm mais medo do agravamento das dificuldades económicas do que medo do contágio propriamente dito”, considera o presidente.
João Martins, gerente da Fábrica de Fogos de Artifício do Bombarral, é a única pessoa presente naquela unidade, já que todos os outros 11 colaboradores se encontram em casa, em lay-off. Inaugurada em 1934, a empresa nunca passou por um período tão RICARDO GRAÇA/ARQUIVO mau quanto este. João Martins explica que todas as festas no País foram canceladas, desde a Páscoa, passando pelo 25 de Abril, os santos populares, os arraiais e os festivais de música.
O mesmo aconteceu com as suas exportações, sendo que alguns dos seus clientes estrangeiros até já entraram em insolvência, nota o empresário. Se no ano passado [LER_MAIS]a actividade já reflectia a legislação que impede fogos de artifício devido ao risco de incêndio, este ano, com a pandemia, o negócio terá caído 96%, estima João Martins. A sua fábrica previa atingir vendas de cerca de 250 mil euros entre Abril e Agosto, mas a chegada da Covid-19 fez cair a fasquia para menos de 8 mil euros, expõe o gerente. “Esta semana vendi 50 euros. Temos a fabrica fechada e atendemos clientes por marcação. Mas quais clientes?”, questiona João Martins.
“A única coisa que temos feito é pagar impostos”, observa o empresário. “O negócio não tem viabilidade e o sector não tem voz para marcar posição e ter apoios como têm outros sectores”, compara o gerente. “Não temos, como terão outras empresas, capacidade para nos transformarmos em produtores de máscaras e de álcoolgel”, aponta João Martins, estimando que sejam actualmente cerca 2500 a 3 mil as empresas deste ramo, que nesta fase não têm qualquer viabilidade.
Discotecas reclamam apoio urgente
No passado dia 30 de Julho, o Comunicado do Conselho de Ministros trazia novidades para os estabelecimentos de diversão nocturna. Informava que terão de continuar encerrados os bares e as discotecas, sendo que estes espaços poderão funcionar, se assim pretenderem, mas apenas se trabalharem como cafés ou pastelarias. Nesse caso, não têm necessidade de alterar a respectiva classificação de actividade económica.
Ficou então instituído que os bares e discotecas que optem pela reabertura terão a possibilidade de funcionar até às 20 horas, na Área Metropolitana de Lisboa, e até à uma da manhã (com limite de entrada à meianoite) no resto do território continental, tal como a restauração. Mas os empresários do sector defendem que esta não é a solução adequada para o problema e reclamam medidas de apoio urgentes. Ainda esta semana, a Associação da Restauração e Similares de Portugal (AHRESP) emitiu um comunicado apelando à “urgência de apoios para a animação nocturna”. Mantendo-se “o encerramento pordecreto para as empresas de animação nocturna, a AHRESP entende que têm de ser disponibilizados apoios específicos para estas empresas, sob pena de assistirmos a insolvências em massa antes do final do Verão”, apontava a associação. “A AHRESP apresentou ao Governo, no final de Junho de 2020, um programa de apoio para as empresas de animação nocturna, ao qual ainda aguarda resposta”, frisava ainda.
É precisamente sobre a necessidade de disponibilizar apoios financeiros a estes espaços que nos fala Mário Brilhante, responsável pelo bar-discoteca Anúbis. Depois de 25 anos à frente deste espaço de diversão nocturna, em Leiria, o empresário tem agora a sua equipa em lay-off e considera que a possibilidade de trabalhar como café ou pastelaria não é solução para estas casas, que, na sua maioria, não têm infraestruturas que o permitam. “Funcionar como antes está fora de questão”, reconhece Mário Brilhante, para quem tal atitude “iria colocar em risco a saúde pública”. A solução, preconiza, será “o Estado apoiar com dinheiro a fundo perdido os empresários deste sector, que se vêem impossibilitados de trabalhar”. Até porque “a pandemia irá arrastar-se durante muito tempo e estes não terão capacidade para resistir”, salienta o responsável pelo Anúbis.
Exposições suspensas
Nem só os negócios associados ao lazer estão parados ou condicionados devido à pandemia. José Frazão, administrador da Exposalão, na Batalha, explica que as feiras de negócios também estão suspensas. O administrador sublinha que, na verdade, estes certames já se podem realizar. O problema, aponta, é que neste caso “a lei é muito ambígua”. As feiras em recintos fechados “poderão decorrer, segundo a lei portuguesa, com uma pessoa por cada 20 metros quadrados. Já em Espanha podem decorrer com uma pessoa por cada cinco metros quadrados”, compara José Frazão, notando que a legislação na Europa é hoje muito diversificada.
Mas, além disso, quase nada se sabe sobre o que implica colocar um certame destes em funcionamento, lamenta o empresário. O que se torna especialmente arriscado quando se trata de eventos organizados com meses de antecedência e cujas datas, a nível nacional, são habitualmente articuladas com outras exposições internacionais. Desde Março, a Exposalão já deixou de apresentar quatro feiras, sendo que a sua equipa de colaboradores directos, composta por 13 pessoas, está em lay-off.