A jornada começa sempre bem cedo para João Paulo Costa, de 52 anos, que desde miúdo se dedicada à resinagem, ofício que, juntamente com os irmãos, herdou da mãe. Levantar de madrugada para evitar o calor e calcorrear a mata, pinheiro a pinheiro, para extrair resina, não é um trabalho limpo nem bem remunerado, reconhece. Talvez por isso, João Paulo seja um dos poucos resineiros que restam na Marinha Grande, concelho que outrora foi berço da actividade.
Os sucessivos incêndios, a plantação desenfreada de eucaliptos, mas sobretudo a dificuldade em atrair jovens para manter este ofício, assegurado por mão-de-obra cada vez mais envelhecida, são problemas bem conhecidos pela associação Resipinus e pelo Instituto da Conservação da Natureza e Florestas (ICNF), que agora anunciam a criação da Academia do Resineiro, na Marinha Grande, bem como o reforço do programa Resineiros Vigilantes, que recorre ao contributo destes profissionais para zelar pela segurança florestal.
Foi neste contexto, onde se planta a esperança no renascer do ofício, que o JORNAL DE LEIRIA foi conhecer melhor a ocupação de João Paulo e de outros resineiros que, como ele, apesar das dificuldades, nunca deixaram de trabalhar e de amar a mata.
Paixão pelo pinhal
Foi do lado da mãe, que também era resineira, que João Paulo e os irmãos aprenderam a dominar o ofício, quando ainda eram miúdos. Actualmente, trabalha numa empresa de plásticos, mas nunca deixou de se dedicar à mata, onde continua a resinar, agora conciliando as tarefas da fábrica com as do pinhal. “Mas é aqui que me sinto melhor”, assume o resineiro sem hesitar. Sem hierarquias e sem paredes, o tempo corre mais leve entre as árvores. Os irmãos de João Paulo também mantêm a tradição familiar. Não extraem resina, mas removem a carrasca, dando início a todo o processo.
“Extraída a carrasca, abrem-se feridas e sangra-se o pinheiro”, explica o resineiro. Algumas semanas depois, há que voltar ao local para [LER_MAIS]esvaziar os recipientes, que entretanto se encheram de resina. Não são precisas mais do que espátulas, vasilhas, mãos hábeis e “vontade”, frisa João Paulo, que, em menos de um mês, com a ajuda do cunhado e em part-time, limpou “mais de 16 mil bicas”. O seu record terão sido cerca de 27 mil, estima o resineiro.
Em média, por dia, entre as 6:30 e as 11 horas, os dois recolhem cerca de 400 litros de resina, que vendem a empresas de primeira transformação por 1,10 euros o quilograma. “Não se ganha muito e é um trabalho porco. Por isso nem todos o querem”, justifica João Paulo, que recebe com surpresa a notícia sobre a criação da Academia do Resineiro.
Para o cunhado, Florindo Gomes, de 56 anos, que está desempregado desde 2018, a resinagem tem sido mais do que um biscate. Em vários momentos, tem sido o seu único sustento. Natural do Pilado, na Marinha Grande, Florindo recorda-se de quando grande parte da população do lugar dependia da floresta. “Eles e elas. Alguns eram resineiros e outros carvoeiros.”
Agora, são poucos os que mantêm ocupações relacionadas com o pinhal, porque não são rentáveis. Mas não só, justifica Florindo. Os incêndios destruíram a maior parte da mata, está a plantar-se eucalipto de forma massiva e muitos proprietários, que até podiam arrendar os seus pinheiros para exploração de resina, preferem não o fazer.
Porquê? Entendem que o pinheiro sangrado produz madeira de menos qualidade, logo, de menor valor comercial. O que não é taxativo, consideram os resineiros, que passam a desmistificar. Um pinheiro pode ser “resinado à vida” e “resinado à morte”. Ou seja, pode ter uma ou duas feridas, que asseguram a extracção gradual da resina ao longo da vida da árvore. Ou pode ser “resinado à morte”, com o desferir de várias feridas em simultâneo, para a extracção intensiva de resina, num período limitado de tempo que antecede o seu corte.
Mas João Paulo e Florindo têm dúvidas de que a madeira possa perder propriedades para lá da zona ferida. E mesmo que assim fosse, questionam indignados: “Onde está o problema se a maioria dos pinheiros tem sido transformada em pellets?”
O último de três gerações
Agostinho Carreira, de 54 anos, é filho e neto de resineiros. Embora tivesse tido oportunidade de escolher outra profissão, preferiu continuar com este ofício, que era de resto tão popular na sua localidade. “Porto Carro, na Maceira, era uma terra conhecida por isso mesmo. Metade da população trabalhava nas resinas” recorda, receando não ter quem lhe herde o gosto. É mesmo uma paixão, conta o resineiro, que trabalha a tempo inteiro no pinhal.
Na sua micro-empresa, onde emprega mais duas pessoas, Agostinho é quem dá o pontapé de saída. Levanta-se pelas quatro da manhã e só termina a jornada pelas “sete ou oito da noite”. Durante o Verão, que é a fase mais produtiva, trabalha-se intensamente para compensar os dias menos bons de Inverno. Mas o hábito está de tal modo enraizado em si que, mesmo depois de aposentado, gostava de continuar a resinar algumas vezes por semana, só pelo prazer que daí retira.
Lamenta a falta de mão-de-obra, mas também os incêndios e a grande plantação de eucaliptos, que está “em desequilíbrio” com a de pinheiros. E não compreende por que razão, tendo pinhais disponíveis, alguns proprietários se recusam a ceder as árvores para resinar. Sempre que o fazem, os donos dos pinhais ganham duplamente: primeiro dos resineiros e depois dos madeireiros, realça Agostinho.
Produção em queda acentuada
São cada vez menos os resineiros e a actividade está nas mãos de uma população bastante envelhecida, nota Hilário Costa, presidente da Resipinus – Associação de Destiladores e Exploradores de Resina, sediada em Leiria e que, desde 2013, tem lutado pela dinamização e crescimento do sector. Em todo o País, existirão actualmente cerca de 300 resineiros.
No distrito de Leiria, existem cerca de 80, que trabalham em nome individual ou em micro-empresas familiares e que fornecem empresas de primeira transformação. São poucos resineiros, salienta Hilário Costa, se atendermos ao facto de a Marinha Grande ter sido o berço da actividade e onde outrora funcionou a primeira fábrica de resinas do País.
“A juventude não se sente atraída pela actividade florestal. É um problema transversal a todo o sector primário”, expõe o dirigente associativo, explicando que, nalguns pontos do País, a mão-de-obra tem sido assegurada por imigrantes brasileiros.
A produção portuguesa anual de resina atinge actualmente sete a oito mil toneladas. Além dos resineiros, a fileira da resina em Portugal integra ainda indústrias de primeira transformação (que produzem aguarrás ou essência de terebentina e pez louro ou colofónia) e de segunda transformação (que produzem derivados de colofónia para aplicações em tintas, adesivos, colas, pneus, pastilha elástica e ceras depilatórias, entre outros artigos).
Nos anos 70 do século XX, Portugal era, depois da China, o segundo maior produtor mundial. E até aos anos 90, o País contava com cerca de 50 fábricas. Hoje, resultado da concorrência feroz do Brasil, que se assume graças à capacidade de produção em grande escala, mas também em virtude de sucessivos incêndios que têm consumido grandes áreas de floresta em Portugal, só um punhado de unidades resilientes se mantém, constata Hilário Costa, que é responsável por uma das maiores empresas de resinas do País, a Costa & Irmãos.
Com 30 colaboradores, a empresa com sede em Colmeias (Leiria) e fábrica em Vieirinhos (Pombal) deverá atingir um volu-me de negócios na casa dos sete milhões de euros no final de 2021.
Como representante da Resipinus, o dirigente tem várias ambições. Uma delas passa por elevar a produção nacional de resinas para as 30 mil toneladas até ao final deste década. Outra, é promover a produção nacional e orientá-la para nichos de mercado, onde a qualidade e a personalização dos produtos seja valorizada.
Hilário Costa vê com optimismo a criação da Academia do Resineiro, a nascer no Parque do Engenho, na Marinha Grande, uma vez que o maior entrave no sector, defende, é mesmo a dificuldade em captar mão-de-obra.
Salienta ainda o alcance do programa Resineiros Vigilantes, a desenvolver no âmbito do Plano de Recuperação e Resiliência, para apoio à vigilância e detecção de fogos nas áreas sob a gestão do resineiro e áreas contiguas, e que num período de cinco anos (2021 a 2025) prevê a adesão de 253 profissionais.
Recusando fundamentalismos acerca do eucalipto, o dirigente entende que também esta espécie “deve ter o seu lugar” e que o importante é evitar a sua plantação abusiva. Assinala ainda que, apesar de reduzida, a mancha de pinhal que subsiste no território nacional continua a ter muitas zonas passíveis de resinar.
Investimento em projectos de investigação e inovação
O Instituto da Conservação da Natureza e da Florestas (ICNF) e a Resipinus assinaram no mês passado um protocolo, que visa a colaboração dos resineiros na vigilância da floresta contra incêndios. O programa conta com uma dotação de 759 mil euros para os próximos quatro anos, dos quais 99 mil euros serão aplicados este ano. Já nos anos subsequentes, o valor sobe para 165 mil euros anuais.
Segundo a agência Lusa, a verba atribuída permitirá criar 26 equipas de vigilância, abrangendo 71 freguesias do País. O sector da resina movimentará investimentos na ordem dos 33 milhões de euros, dos quais 17,5 milhões serão “dirigidos a um projecto integrado onde se inserem projectos de investigação, desenvolvimento e inovação”, notou Paulo Salsa, vice-presidente do ICNF. Outros 15,5 milhões de euros serão aplicados em acções dirigidas à gestão florestal e ao apoio à fileira da resina natural, onde se inclui o programa Resineiros Vigilantes 2021 (que resulta de um projecto-piloto iniciado em 2019).
A verba inclui 3,3 milhões de euros para aquisição de materiais para a actividade do resineiro, 350 mil euros para a reabilitação de um edifício público para a instalação da Academia do Resineiro (na Marinha Grande); 100 mil euros para a realização de um estudo sobre o potencial de resinagem no País e 10.746 mil euros na beneficiação de povoamentos de pinheiro bravo em áreas prioritárias para o sector da resinagem.