Completa-se, no dia 26, um ano que assumiu a presidência da Câmara. Era algo com que sempre tinha sonhado, dado que entrou cedo na política?
Este foi um projecto que começou há 20 anos quando Raul Castro se candidatou pela primeira vez e que juntou bastantes independentes e muitos candidatos às Juntas, do qual faço parte desde a primeira hora. Neste momento, sentia-me preparado para receber a liderança da Câmara. Era algo que podia ou não concretizar-se, mas sabia que se acontecesse estava preparado. Foi um primeiro ano de mandato atípico, fruto da pandemia.
Que balanço faz?
O último ano divide-se em duas partes. Os primeiros meses foram de crescimento económico, dinamismo cultural, de avanço de projectos de grande dimensão e de confiança no futuro, interrompidos de forma abrupta. Sucederam-se seis meses de insegurança e de resposta prática e operacional à pandemia. A experiência que retiramos deste período é que quem conseguiu manter o seu dinamismo e capacidade de intervenção, com a rapidez necessária, evitou problemas. Foi essa filosofia que se imprimiu não só na Câmara, mas em muitos dos nossos parceiros que estiveram no terreno a combater o vírus, com a área da saúde à cabeça. A ligação com os lares foi fundamental para assegurar a protecção aos idosos e aos funcionários. Houve ainda o foco de mobilizar a comunidade para o cumprimento das regras emanadas pela Direcção- Geral da Saúde. Não temos tido problemas graves no concelho, mas não podemos deixar de estar atentos e em prevenção. Esta é a nova maneira de fazer política, resultante da Covid, que obrigou os autarcas a adaptar as suas agendas e prioridades.
Em que é que a pandemia vai mudar a estratégia e as prioridades do Município?
Vamos ter de adiar os grandes projectos. O próximo ano será de recuperação económica e de apoio às famílias de modo a evitarmos fenómenos de exclusão social e de pobreza. Enquanto não vier o dinheiro da Europa, as Câmaras terão um papel muito importante a desempenhar. Será um final de mandato muito associado às questões sociais e ao relançamento da economia, num cenário de redução de receitas autárquicas.
Qual a estimativa de quebra das receitas municipais?
O orçamento do próximo ano terá uma regressão da receita ao nível da crise de 2011, com uma redução na ordem dos 20 a 30%. As receitas terão de ser cirurgicamente preparadas para acudir às necessidades de curto prazo e de emergência social.
Durante o período mais agudo de combate à pandemia, as autarquias tiveram um papel muito importante na resolução de problemas que iam surgindo. Qual a situação mais difícil que teve de gerir?
Um dos momentos críticos foi o de colocar os funcionários da Câmara em teletrabalho. Tínhamos de dar o exemplo. O fecho do Polis foi também difícil e marcante. Sabíamos que ia ser um sinal do nosso nível de preocupação, um pouco à semelhança da decisão do Presidente da República de ficar confinado, num momento em que muitas pessoas ainda não tinham a noção da gravidade da doença. O momento mais dramático aconteceu quando queríamos encontrar equipamento de protecção individual, para quem estava na linha da frente, e não podíamos ajudar porque não havia material. Foi notável a reacção do sector económico, com muitas empresas a fazerem a transição para as necessidades Covid, ajudando a resolver um problema e mantendo a produção.
Voltando ao balanço do mandato, uma das decisões que tomou foi a de parar o projecto do multiusos. Em que condições admite retomá-lo?
Tendo em conta o aumento do custo face ao previsto, parámos para tentar perceber o retorno económico e os custos de exploração e de funcionamento. Uma das marcas dos executivos liderados por Raul Castro é o das contas certas e a de não tomar decisões irreversíveis para as gerações futuras. A decisão foi prudente na altura e faz ainda mais sentido nos dias de hoje. Não sabemos como vai funcionar o sector dos espectáculos nos próximos anos, se ou quando voltaremos a ter espaços para grandes públicos ou quais as alterações que as dinâmicas culturais terão no pós-Covid.
Nos próximos anos, Leiria não terá, então, multiusos?
Os próximos tempos serão tempos Covid. É nisso que temos de estar focados. Depois, continuaremos a avaliar este projecto, que tem importantes valias. Leiria precisa de um equipamento que seja aglutinador, mobilizador, não só na área da cultura, mas também do desporto e dos eventos. O multiusos é um projecto que tem importância, mas na altura certa e depois de estudados os prós e os contras e de termos capacidade financeira para o executar, até resultante de apoios comunitários que venham.
Outro dos dossiers complicados que herdou é o da Avenida Heróis de Angola. Quando é que, realisticamente, os leirienses poderão esperar intervenção naquela avenida, prometida há anos?
É uma via estruturante para o funcionamento da cidade e que exige muito cuidado na intervenção a fazer, do ponto de vista técnico, mas também financeiro. O mínimo erro paralisará a cidade. Conscientes disso, nem Lemos Proença nem Isabel Damasceno nem os executivos dos últimos dez anos conseguiram encontrar soluções para executar a obra com a rapidez e a segurança exigidas. É necessário construir um colector que permita recolher todas as águas que, em dias de chuva, escorrem do castelo e do centro histórico até ao rio. Para o troço entre o estádio e a avenida tínhamos previstos três milhões de euros. O estudo geológico e a primeira proposta para esse colector apontaram para custos de oito milhões. Não podemos meter-nos numa obra dessas, que vai condicionar futuros orçamentos, sem ter a consciência de que é uma solução técnica capaz. Mas estamos a falar de uma obra estruturante na cidade. Nunca existirá o colapso [do colector]. A gestão desta intervenção está a ser controlada. Vamos contratar os melhores técnicos de estruturas, em termos geológicos e de soluções de saneamento, para nos ajudarem a encontrar solução mais adequada. A Heróis de Angola vai ter obras ainda este ano, que irão melhorar o ambiente urbano, tornando-o mais seguro para o peão e bicicletas, num momento em que é necessário distanciamento físico. A intervenção, orçada em 250 mil euros, contempla o aumento de passeios, alcatroamento, novo mobiliário urbano e sinalética e casas de banho públicas. É uma intervenção que irá tornar a avenida mais atractiva, enquanto se planeia a requalificação de fundo.
Isso significa que a intervenção de fundo demorará ainda alguns anos?
A intervenção de fundo na Heróis de Angola demorará um mandato. Fazer uma obra destas no coração da cidade trará muitos condicionamentos à sua vida social e empresarial. A decisão tem de ter um calendário ajustado. Colocar em cima de uma crise profunda, como a que estamos a atravessar, a interrupção de uma avenida, teria consequências gravíssimas. Já assumiu que não haverá cobertura da avenida, como propunha Raul Castro. A intervenção na avenida deverá ser [LER_MAIS]evolutiva. O primeiro passo é reduzir o número de viaturas, dando mais qualidade ao peão e aos ciclistas. Depois, teremos de criar condições para retirar mais carros e aumentar os transportes públicos. Daqui a uns anos, a avenida pode ter as condições perfeitas para se tornar totalmente pedonal e com estruturas de cobertura que torne o espaço mais agradável e seguro. As propostas que estamos a adoptar agora não invalidam qualquer decisão futura. Temos depensar a Heróis de Angola como uma avenida camaleónica. Ou seja, em que se possa cortar o trânsito num fim-de semana para a tornar cultural e reabri-la depois ao trânsito, sendo certo que os carros não poderão andar à velocidade actual. A avenida representa para os leirienses uma memória muito associada ao comércio, que atraía gente de vários pontos da região. Queremos colocar essa ambição em cima da mesa. Para isso, o investimento público tem de ser acompanhado pelos privados.
O aumento dos custos justificou a suspensão dos projectos da Heróis de Angola e do multiusos. Por que é que esse argumento não foi aplicado ao centro de negócios, onde a estimativa de custos subiu quase de 75%?
O topo norte do estádio é um investimento eminentemente empresarial com alto retorno económico. Ainda não está construído e já temos cliente para uma das torres, as Finanças.
O negócio já está fechado?
Apresentámos a nossa proposta e há interesse do Ministério das Finanças. Foi, aliás, a tutela que tomou a iniciativa de perceber a disponibilidadede espaços em Leiria. Pagarão uma renda de oito euros por metro quadrado. O centro de negócios terá como principal utilizador as empresas de tecnologias de informação. O dinheiro que virá da Europa nos próximos anos, além da questão energética e ambiental, estará muito focado no apoio à transição digital. O projecto do centro de negócios está alinhado com esta estratégia da União Europeia. Um concelho que não tem espaço para o digital não existe para a Europa. A renda das empresas abaterá ao investimento. Se juntarmos a essas receitas a possibilidade de fundos comunitários, o investimento terá um retorno económico garantido. No entanto, para não dizerem que é só um sonho do presidente da Câmara, encomendámos um estudo económico à Deloitte. Só avançaremos com a obra com uma análise à viabilidade do projecto.
Uma das áreas que mais tem sido criticada pelos vereadores da oposição é o arrastar da construção de parques industriais nas freguesias. Como está o processo de Monte Redondo?
Está em fase de expropriação. É um processo, do ponto de vista legal, extremamente exigente. Estamos a preparar todos os elementos para concretizar a expropriação, para depois lançarmos a obra. É um ponto sem retorno. A partir de agora só podemos construir. Não há marcha-atrás.
Que outras prioridades tem o Município nesta área?
Estamos a trabalhar para garantir, em termos de instrumentos de ordenamento do território, a expansão futura das zonas industriais de Pousos, Barosa e da ZICOFA. Além disso, estão previstas novas áreas a criar de raiz em algumas freguesias. Teremos de estabelecer prioridades. Mas, não haverá dificuldade em encontrar soluções para indústrias que se queiram instalar no concelho. Junto aos principais eixos rodoviários que ligam Leiria à Marinha Grande, à Maceira, a Ourém, a Pombal ou à Figueira da Foz têm surgido novas empresas ou ampliações. O que pretendemos é criar condições mais organizadas para fixar empresas.
Referiu o eixo Leiria-Marinha Grande. Num momento em que a mobilidade sustentável se tornou um imperativo, não fará sentido criar outro tipo de transporte, ambientalmente mais sustentável, a unir esse eixo?
Estamos a desenvolver um projecto com a Marinha Grande na área da mobilidade suave, associado à bicicleta e à partilha de viaturas. Estamos também a planear a ligação dos dois concelhos através de um circuito ecológico junto ao Lis. Com a aposta que se preconiza para a ferrovia, fará todo o sentido encontrar, num futuro a dez anos, soluções de mobilidade que poderão passar pelo reaproveitamento da Linha do Oeste para servir os dois concelhos.
Um metro de superfície?
É uma opção que tem de ser avaliada técnica e economicamente. Não defendo que, por em Coimbra existir um metro de superfície, Leiria tem de ter. Mas não quero que Leiria fique para trás naquilo que são as tendências de investimento do País e da Europa. Se uma das tendências é a aposta na ferrovia, é legítimo que se avalie a importância e a viabilidade da ligação entre Leiria e Marinha Grande utilizando uma infra-estrutura como a Linha do Oeste.
Já com duas décadas do século XXI decorridas, Leiria ainda não concluiu a rede se saneamento. Qual a meta para completar a cobertura?
A nossa taxa de cobertura anda pelos 90%. Faltam algumas franjas mais distantes do centro urbano, nomeadamente nas freguesias mais a norte. Estou convencido de que nos próximos cinco anos será possível concluir a rede de saneamento, mas o investimento não termina aí. Temos de investir na renovação de redes nas zonas urbanas, sobretudo, na cidade.
Como pode Leiria afirmar-se sem resolver os problemas ambientais?
Leiria tem um défice ambiental muito grande, que não é novo. Partindo mais atrás, temos de andar mais depressa para dar o salto qualitativo que ambicionamos. Está a ser realizado um estudo para avaliar a prestação da ETAR das Olhalvas e apontar soluções de melhoria do desempenho. Há ainda um trabalho importante de requalificação de infra-estruturas, que está a ser feito nas obras em curso na cidade, com a separação dos pluviais e dos esgotos domésticos. Sei que é dramático para quem vive e tem negócios nessas zonas, mas tem de ser.
O que sente o presidente da Câmara e o cidadão Gonçalo Lopes quando há notícia de mais uma descarga no rio Lis?
Um sentimento de não conseguir controlar ou evitar algo que se arrasta há anos, porque não depende da Câmara. Depende da fiscalização feita pelas autoridades e de investimentos a fazer pelo sector e pela Administração Central. Há a necessidade de criar um amplo consenso entre o sector e o Ministério do Ambiente, com o apoio das autarquias, para se encontrarem soluções. Não acredito que a fiscalização, por isso, resolva o problema [das descargas suinícolas]. É praticamente impossível fiscalizar um crime ambiental, que já não se faz, à noite, à porta da suinicultura. Durante anos, culparam-se os suinicultores pelo arrastar do processo. Este passou para o Governo, mas parece não haver desenvolvimentos. Tive recentemente uma reunião online com os secretários de Estado do Ambiente e da Agricultura. A informação que me deram é que o plano estratégico nacional para o sector tem a versão preliminar feita e que aponta como prioridade o problema das suiniculturas da região. Há um sentimento de desconfiança pelas promessas sucessivamente adiadas. A nossa função é não desarmar.
Leiria vai formalizar, no próximo ano, a candidatura a Capital Europeia da Cultura. Quais os principais trunfos da candidatura?
Há um trabalho de afirmação de Leiria como um concelho que procura a coesão e a união de um território muito superior às suas fronteiras. Isto é uma grande vitória. É o reconhecimento de que, tal como a Europa, a nossa região precisa de incluir territórios com características totalmente diferentes e com diversidade, para fazer uma candidatura forte. Daí termos apostado na Rede Cultura 2027, que reúne 26 municípios em torno de um objectivo comum: melhorar o desempenho cultural e, através disso, criar mais região e melhores condições de vida para as populações. A nível do País não existe um esforço político como este. Há dez anos, Leiria tinha já muita oferta cultural, mas era necessário aproveitar esse capital e ampliá-lo e fazê-lo crescer, com dinâmicas totalmente disruptivas e inovadoras. Foi isso que se conseguiu fazer, impulsionando o aparecimento de novos eventos, mais equipamentos, como o Museu de Leiria e a requalificação da Igreja da Misericórdia como Centro de Diálogo Inter-cultural, e uma nova agenda cultural, apostando muito na contemporaneidade.
Dentro de um ano estará em campanha para a presidência da Câmara de Leiria. Acredita que o PS tem condições para manter a Câmara, atendendo a que a sua conquista por parte de Raul Castro teve apoios de outros sectores políticos?
Em relação à candidatura, este não é o momento para falar disso. O apoio a este projecto político assenta muito nos independentes, na vontade, no perfil e no carisma de muitos dos nosso autarcas de freguesia, nas nossas equipas na Câmara e na Assembleia, onde conseguimos, de facto, ter uma prioridade: Leiria. Nunca colocámos o partido à frente dos interesses do concelho. Isso faz com que muitas pessoas reconheçam a valia do nosso projecto.
Do que é não gosta em Leiria?
As questões ambientais são uma marca negativa que está colada a Leiria e que temos de vencer com a ajuda das gerações mais novas. O atraso maior de Leiria é nas questões ambientais. Digo, sem hesitação, que esta é uma área prioritária para tentar resolver o défice ambiental do concelho, com a construção da ETES, a melhoria do circuito urbano do rio e de toda a bacia hidrográfica do Lis, a melhoria da mobilidade na cidade.
E o que é que mais gosta em Leiria?
A resiliência das nossas pessoas e de sectores como a indústria e a cultura, que nos permite fazer coisas impensáveis. Isto ficou evidente na Covid ou na estratégia cultural. Mesmo num momento de crise, como a de 2011, sem recursos financeiros e com a dívida do estádio, conseguiu- se fazer um trabalho notável nas áreas da cultura, educação e desporto, assente na capacidade de entre-ajuda e de trabalho em rede. Isto não se nota apenas na acção pública, mas também nas empresas. Temos empresários a associarem- se em consórcios para ganharem negócios e exportarem. O nosso ADN é de resiliência. Imagine-se o nível de desenvolvimento e de qualidade de vida que já teríamos, se governos e outros sectores económicos ou de influência política nos dessem as mesmas oportunidades que deram a outras regiões.
Perfil
Abraçar a “causa de Leiria”
Gonçalo Lopes assumiu a presidência da Câmara de Leiria há um ano, com a saída de Raul Castro para o Parlamento. É, diz, mais uma forma de contribuir para a “causa de Leiria”, concelho onde nasceu há 45 anos. Jogou andebol no Atlético Clube da Sismaria, onde foi também dirigente. Licenciou-se em Economia no ISEG – Instituto Superior de Economia e Gestão, tendo depois trabalhado como gestor e consultor nas áreas dos seguros, turismo, agricultura e fundos comunitários. Desempenhou o cargo de director Regional do Instituto Português da Juventude e de adjunto do Governo Civil de Leiria. O pouco tempo livre tem dedica-o à família – é casado e tem dois filhos – e a fazer caminhadas.