O autor de uma queixa-crime motivada pelo incêndio de Outubro de 2017 no Pinhal de Leiria quer que o Ministério Público investigue se a Câmara Municipal da Marinha Grande e a EDP praticaram crimes de gestão danosa, dano qualificado, dano agravado, ofensa à integridade física e omissão de auxílio.
O queixoso, que reside no concelho da Marinha Grande, nota que no caso de Pedrogão Grande vão ser julgados os então presidentes dos municípios de Castanheira de Pera e Figueiró dos Vinhos, o antigo vice-presidente da Câmara de Pedrógão Grande, uma engenheira florestal que exercia funções na mesma autarquia, o comandante dos Bombeiros Voluntários de Pedrógão Grande, dois subdirectores da EDP e três dirigentes com cargos na Ascendi Pinhal Interior.
Num aditamento enviado ao Departamento de Investigação e Acção Penal (DIAP) de Leiria, o autor da participação argumenta que a Câmara Municipal da Marinha Grande e a EDP não cuidaram da limpeza de terrenos no período anterior ao incêndio de Outubro de 2017, ou seja, não asseguraram as faixas de gestão de combustível que tinham a responsabilidade de executar, junto a estradas e linhas de transporte e distribuição de energia eléctrica, numa extensão que varia entre os sete e os dez metros, portanto, não cumpriram o que estava previsto no Plano Municipal de Defesa da Floresta Contra Incêndios do Concelho da Marinha Grande.
O incumprimento, alega, é confirmado em dois relatórios: Avaliação dos Incêndios Ocorridos entre 14 e 16 de Outubro de 2017 em Portugal Continental, pela Comissão Técnica Independente nomeada pela Assembleia da República, e Análise dos Incêndios Florestais ocorridos em 15 de Outubro de 2017, do Centro de Estudos sobre Incêndios Florestais da Universidade de Coimbra, sob coordenação do perito Domingos Xavier Viegas.
A queixa-crime apresentada originalmente em Novembro de 2017 visa os responsáveis e respectivos organismos incumbidos da gestão da Mata Nacional de Leiria desde 2003, ou seja, a Autoridade Florestal Nacional (primeiro) e o ICNF – Instituto de Conservação da Natureza e das Florestas (depois), por eventuais crimes de administração danosa, omissão de auxílio, dano qualificado e ofensa à integridade física por negligência. O queixoso vem agora requerer ao Ministério Público que se pronuncie, também, sobre eventuais responsabilidades relacionadas com as competências da Câmara da Marinha Grande e da EDP. Os municípios, na pessoa do presidente, lideram a protecção civil em cada concelho.
A denúncia baseia-se na tese de que o Pinhal de Leiria se encontrava ao abandono, o que permitiu a acumulação de vegetação e potenciou (como um barril de pólvora) os danos causados pelo incêndio de Outubro de 2017.
O Plano Municipal de Defesa da Floresta Contra Incêndios do Concelho da Marinha Grande determinava três faixas de gestão de combustível, nunca inferiores a 125 metros de largura, coincidentes com os aceiros K, P e S – e a primeira, no aceiro S, que dista aproximadamente dois quilómetros do ponto de início do incêndio de Outubro de 2017, deveria ter sido assegurada pelo ICNF em 2016, ou seja, um ano antes. A existir como planeado, possibilitaria uma disposição de meios de combate ao fogo muito mais eficaz e a catástrofe não teria ocorrido, acredita o queixoso.
A faixa do aceiro P deveria ter sido concluída em 2015 e a do aceiro K em 2017.
Outras faixas de gestão de combustível, junto a edifícios, aglomerados populacionais, zonas industriais e parques de campismo, também ficaram por executar.
O autor da queixa-crime, que no dia 15 de Outubro de 2017 foi forçado a sair de casa com a família para fugir às chamas, questiona se houve ou não total incumprimento do Plano de Gestão Florestal da Mata Nacional de Leiria, que data de 2010, e do Plano Municipal de Defesa da Floresta Contra Incêndios do Concelho da Marinha Grande, por parte do ICNF, da Câmara Municipal da Marinha Grande e da EDP. E pergunta que pessoas, empresas e organismos públicos, responsáveis pela gestão, manutenção e conservação do Pinhal de Leiria, têm responsabilidade criminal.
O incêndio de 15 de Outubro de 2017 resultou de dois reacendimentos no concelho de Alcobaça. Invadiu o Pinhal de Leiria no concelho da Marinha Grande, onde queimou 9.500 hectares, o equivalente a 86%. Atingiu outras matas nacionais nos concelhos de Leiria e Pombal, além de floresta privada, casas e empresas. Só seria considerado extinto na tarde de 20 de Outubro, depois de progredir até à Leirosa, na Figueira da Foz.
Em Novembro de 2019, o Tribunal de Alcobaça absolveu uma mulher acusada de um crime de incêndio florestal por alegadamente ter iniciado uma queimada num terreno baldio, na Burinhosa, que a Polícia Judiciária aponta como origem de um dos reacendimentos causadores do incêndio que destruiu o Pinhal de Leiria. A juíza considerou impossível concluir que a arguida era a autora da ocorrência, por inexistência de provas ou mesmo indícios.