Cerca de 20% do cérebro humano é dedicado à visão. “O que acontece a esta parte do cérebro após a perda de visão? Fica inactiva? Vai-se dedicar ao processamento de outros sentidos ou funções cerebrais?” Estas são perguntas para as quais Joana Carvalho, natural de Azoia, em Leiria, pretende encontrar respostas.
Distinguida com a Medalha de Honra L’Oréal Portugal para as Mulheres na Ciência, a jovem de 28 anos vai receber 15 mil euros para perceber se o cérebro de um humano se reorganiza depois de perder a visão.
Apaixonada pela técnica da ressonância magnética, pelas neurociências e pela área da visão, Joana Carvalho vai ter como amostra 12 ratos com deficiência visual e 12 ratos normais ou com restauração de retina para verificar que alterações ocorrem quando deixam de ver. “Nos humanos conseguimos saber que o nosso cérebro se reorganiza, mas ainda não é possível perceber onde é que está a origem. Como estava mais interessada em saber quais são os mecanismos que originam estas mudanças e esta reorganização do cérebro decidi fazer o meu pós-doutoramento na Fundação Champalimaud, um dos centros que tem as melhores ressonâncias magnéticas do mundo para animais”, explica ao JORNAL DE LEIRIA.
A razão é simples: a fundação irá receber, este ano, “uma ressonância magnética de 18 Tesla, a mais avançada do mundo”.
“É mesmo uma oportunidade única para estudar quais são os mecanismos que originam esta reorganização”, afirma a investigadora.
[LER_MAIS]O projecto premiado surgiu durante o doutoramento de Joana Carvalho, que começou por estudar a reorganização do cérebro humano associado ao glaucoma, uma das principais causas de cegueira nos países desenvolvidos.
“Encontrámos fortes indícios de que o nosso cérebro se reorganiza, só que a ressonância magnética em humanos ainda não consegue ir a um nível muito detalhado. Mas, na Fundação Champalimaud há ressonâncias magnéticas para animais que têm uma carga magnética muito elevada o que nos permite ver, de forma não invasiva, a actividade neuronal a um nível quase celular”, explica.
“O nosso cérebro é extremamente maleável e tem a capacidade de adaptar a sua função e estrutura para dar resposta a doenças, tratamentos, aprendizagem e alterações ambientais. Mas, também sabemos que esta plasticidade diminui drasticamente após a infância. Este projecto visa perceber de que forma o cérebro adulto se reorganiza em resposta à perda de visão e estabelecer quais os factores, por exemplo exposição a luz, que facilitam esta reorganização, já que temos a certeza que “uma criança que perca a visão quase que consegue ter o mapa do mundo que nos rodeia, só através dos sons e cheiros”.
A investigação poderá vir a apoiar na decisão de avançar ou não com algumas intervenções cirúrgicas.
“Quando as pessoas perdem a visão ficam muito desesperadas e querem um tratamento que resulte, mas fazem-se muitas cirurgias inúteis, porque não se avalia se o cérebro tem esta capacidade de se reorganizar, o que é variável de pessoa para pessoa. É inútil conseguir recuperar a função ocular se o cérebro já não conseguir processar a informação visual”, constata.
“Há muitas técnicas de reparação da visão, como as terapias genéticas ou de transplante de retina. Este ano foi feito o primeiro transplante de córnea em humanos, portanto, estamos mesmo na fase em que estas terapias estão a sair do tubo de ensaio para a clínica. Agora, mais do que nunca, é importante estudar o cérebro para saber qual é o melhor momento e se vale a pena aplicar estas terapias”, informa.
Este projecto já foi premiado pela União Europeia, com a bolsa Marie Curie, que garantiu um financiamento de 150 mil euros, o que irá suportar o desenvolvimento da investigação, “pelo menos, durante os próximos dois anos e meio”.
Joana Carvalho confessa que ficou “incrédula” por ser uma das quatro cientistas distinguidas com a Medalha de Honra L’Oréal Portugal para as Mulheres na Ciência.
“O prémio é para mulheres doutoradas até aos 35 anos. Como tenho 28 e quem venceu nos anos anteriores eram pessoas mais velhas e com mais experiência pensei que não tinha hipótese. Como já tinha escrito a candidatura para o prémio Marie Curie não me deu muito trabalho alterar e candidatar-me a este.”
A investigadora garante que nunca sentiu discriminação por ser mulher, mas admite que é difícil chegar ao topo. “Em Portugal há muitas mulheres na ciência, mas quando se começa a pensar em liderar o próprio grupo de investigação, em subir na escala académica, vimos que há muito poucas mulheres que conseguem fazer esta transição.”