Primeiro um, depois outro, logo a seguir um terceiro assunto, provocam-me pensamentos que os tentam formalizar, delimitar e inscrever nessa ordem maior das coisas em que se organiza a vida.
Procuro escolher o que me importe mais, ou me pareça mais importante, mas nenhum se destaca, nenhum toma a dianteira. E as imagens, sem as quais não é possível pensar, cruzam-se, andam a par, completam-se, e aos poucos percebo como tudo afinal pertence ao mesmo.
É uma adolescente infeliz, algo desinteressada e calada, não pelas razões que lhe assistem nessa complicada fase da vida, mas porque os pais escolheram por ela o caminho a seguir.
Querendo para ela o que, para eles, é o melhor que a vida tem para dar, acreditam estarem mais aptos para lhe escolher o futuro bem posto que desejam e decidiram, sem apelo nem agravo, que curso irá tirar.
De nada serviram as explicações, as tentativas de afirmação, depois o silêncio e a tristeza. Diz-me ela, que eles lhe dizem, que não lha entendem. São três pequenos grupos de mulheres, e dois homens, entre os 62 e os 83 anos que, nuns arredores mais ou menos próximos, e nuns outros bastante mais afastados da cidade, dançam.
Nada de valsas ou passos doble, nada de rancho ou de bailarico; eles dançam uma dança que muitos chamam “maluca” e que outros, apanhados de surpresa, olham com espanto e admiração; como quando o fizeram num terraço a céu aberto, no pátio de uma escola, ou num palco da cidade, para que todos saibam como é livre e bom dançar assim. Dizem que os faz descobrirem-se outros.
Diferentes, e capazes de ser diferentes, porque essa dança os liberta das leis do supostamente adequado, para finalmente os deixar sentir, [LER_MAIS] viver o que sentem, e mostrar como se sentem.
É um imenso grupo de homens e mulheres que agita as ruas tentando agitar as mentes ao gritar a sua diferença – e um grupo muitíssimo maior que a esconde, por medo de tantas e tão diferentes represálias.
É por serem diferentes que não passeiam de mão dada com os que amam, que não os abraçam e beijam em público, que não constroem com eles a vida que desejam e a que têm direito, porque eternamente vivida num gueto, ou para sempre adiada.
Quando pensamos em “liberdade”, pensamos luta, bandeira, o fim da opressão, a conquista dos direitos básicos de saúde, protecção, educação, trabalho e habitação. E pensamos liberdade de expressão que nos permite dizer o que pensamos e criar o que sentimos necessidade de exprimir, sem que nos limitem as ideias e o pensamento.
Mas tudo isto presente pode não ser suficiente para que um ser humano exerça o direito maior de se autodeterminar.
A opressão emanada das ideias feitas, das opiniões sobre o que deve ou não deve ser aceite, e das reprovações perante o incumprimento do considerado norma, seja ela audível ou silenciosa, impede esse princípio fundamental dos direitos humanos que significa a autonomia, a auto regulação e o livre arbítrio a que todos têm direito.
A heteronomia – a submissão à lei dos outros – jamais fará alguém ser melhor, produzir mais, ou empenhar-se mais no bem comum, porque a realização/felicidade individual é o garante da possibilidade de se ser por inteiro, e de assim se poder dar aos outros.
*Professora de dança