A caminho dos 90 anos, António Carvalho, que os amigos tratam carinhosamente por senhor Carvalhinho, mantém-se fiel a um dos seus amores de sempre: a sua eléctrica, o nome que dá à bicicleta que diariamente monta para fazer a viagem entre Apariços (Santa Eufémia), onde vive, e Leiria, a sua cidade de coração, e que de eléctrica nada tem.
A mesma paixão pela bicicleta é partilhada por José Lopes Ferreira que, aos 88 anos, continua também a privilegiar este meio de transporte nas suas deslocações diárias.
A propósito do Dia Europeu Sem Carros, que se assinalou esta quarta-feira, o JORNAL DE LEIRIA foi conhecer a ligação destes dois octogenários, quase a chegar à barreira dos 90 anos, à bicicleta.
A relação de António Carvalho com as duas rodas começou ainda em Vila Real, onde nasceu, e prolongou-se durante toda a vida. “Aprendi a andar aos 15 anos na recta do circuito [estrada onde se realizam provas de automóvel]. Pagava 25 tostões por uma hora de aluguer, porque não tinha dinheiro para comprar uma”, conta.
Entre risos, recorda o dia em que entrou pela porta de armas do quartel do regimento de infantaria da cidade.[LER_MAIS] Ainda não tinha muita prática e assustou-se com o buzinar de um camião, acabando por se espetar contra a parede de uma sala onde estavam alguns oficiais. “Deram-me um raspanete, mas fizeram-me o curativo e mandaram-me embora.”
Quando casou, aos 22 anos, mudou-se para Leiria, para vir trabalhar na construção do Seminário Diocesano, acabando por fazer casa nos Apariços, terra natal da mulher. Nunca teve carro nem motorizada, pelo que a bicicleta foi (quase) sempre o seu meio de transporte.
“Quando chove, uso o autocarro. Mas só quando não dá mesmo para ir de bicicleta”, afiança António Carvalho, que “todos os dias” faz cerca de 15 quilómetros entre os Apariços e Leiria, incluindo a viagem de regresso, que é o mais complicado, porque tem de subir “a rampa do cemitério”, que obriga a “puxar mais”.
“Estico as pernas e vou quando quero. Não há nada mais lindo do que andar de bicicleta”, afirma.
A ligação de José Lopes Ferreira com as duas rodas e os pedais tem sido mais intermitente. Até quase aos 30 anos, a bicicleta foi seu único meio de transporte, mesmo quando trabalhou na praia da Vieira e na Marinha Grande como pedreiro, ofício a que se dedicou grande parte da vida.
Mais tarde, por uma questão prática e de comodidade, virou-se para a motorizada e para o automóvel, mas o bichinho ficou. Quando, devido à idade, deixou de poder conduzir, José voltou-se, de novo, para a bicicleta. Recuperou a sua velha pasteleira, que comprou há mais de 40 anos “ao senhor António das bicicletas na rua direita”, e é nela que vai na maior parte das vezes em que se desloca da Cruz da Areia ao centro de Leiria. “Para baixo é ela que me traz. Para cima, levo-a eu”, brinca.