“O trail é o momento em que desligo do mundo e me ligo a mim, é como renascer.” Sempre se fascinou com o desporto, foi guarda-redes de andebol, esteve para integrar o plantel do Boavista quando jogava futebol e praticou no Centro de Atletismo do Porto, onde corria a Rosa Mota. Mas na altura de escolher, quando decidiu seguir os estudos na área, Carla Cristina Leite, de 50 anos, foi convencida pelos “objectivos específicos e pessoais” do atletismo.
No início fazia meio-fundo, com distâncias pequenas em pista, e ripostava sempre que o treinador a mandava correr mais. Ri-se, como se fosse ontem. “Se me visse agora, ia pensar que me tinha passado da cabeça, que fiquei louca”, atira a velocista que se transformou numa aventureira que trilha as serras.
Apelidada por Cris ou Tininha no Porto, onde nasceu, chegou a Leiria à boleia da vida militar do marido. [LER_MAIS]Depois de uma curta passagem pela ilha Terceira, nos Açores, decidiu apostar na centralidade da cidade do Lis para dar estabilidade aos dois filhos.
“Foi há quase vinte anos, fui um bocado pai e mãe, trabalhei em ginásio, fui professora de educação física, tive o meu clube… e passaram, literalmente, a correr.”
Sobretudo porque o “bichinho da corrida”, que estava um pouco adormecido, foi retomado com o desafio do NEL – Núcleo de Espeleologia de Leiria.
“Convidaram-me para fazer umas corridas e eu comecei a achar piada a correr na natureza, a conhecer locais incríveis que não poderia conhecer de outra forma, e a identificar-me”, explica, quem já perdeu a conta aos quilómetros que tem nas pernas e até nas férias usa a corrida para conhecer os locais.
‘Laminha’ foi o primeiro trail que fez, com cerca de doze quilómetros, a que se seguiram muitos com distâncias até perto das quatro dezenas.
Por cá, passou a ser conhecida pelo primeiro e último nome que carrega nos dorsais. Presença garantida nas principais provas e fã de correr em São Pedro de Moel, onde gosta de terminar o treino com um mergulho, quer faça sol ou chuva, é reconhecida pela boa disposição. Mesmo quando termina as provas a vomitar por causa do esforço ou revê nas pernas as cicatrizes e marcas que contam esta história.
Experiências que acaba por aliar ao conhecimento na área para acompanhar e treinar atletas. “Por trás do treino de cardio/ corrida, é importante ter treino de reforço muscular, porque sem trabalhar essas competências há lesões e não é possível o atleta dar o seu melhor”, explica, no High Performance Leiria, o ginásio onde é coordenadora de aulas e directora-técnica.
“Arrumar as botas da competição”
Quinze anos depois do início destas aventuras fora de pista, repleta de marcas no corpo e com um palmarés recheado de prémios, Carla Cristina Leite anuncia que vai “arrumar as botas da competição” devido “às dores nos joelhos depois das provas, provocadas por lesões”.
“Chegar aos 50 anos em primeiro lugar, como campeã nacional do meu escalão, nas dez primeiras do País e ainda com pódios da geral de alguns trails onde há muita concorrência, é sair em bem. Sinto que fiz um percurso bonito e quero acabar de uma forma bonita.”
Mas, sublinha, não vai deixar de correr. “Nunca vou deixar de correr, mas vou ter mais tempo para apreciar os trilhos, para correr com os amigos e para beber uma cervejinha preta no final do trail”, promete.Palmarés de conquistas
Campeã nacional de F50
A paixão pela corrida em trail tem-se espelhado nos resultados. Competitiva, guarda no palmarés conquistas como um primeiro lugar do escalão e o quarto geral feminino quando representou Portugal no Transfronteriza Trail, em Espanha. Das conquistas mais recentes, destaca a vitória do Vimeiro, o pódio com conquista do escalão no Duratrail e o pódio em São Pedro do Sul. No ano em que se despede da competição e decide deixar de ser federada, é campeã nacional de trail no escalão F50 e está no Top20 da Taça de Portugal. Realiza a última prova oficial este sábado, no Amazing Espite Trail. Depois, apenas por diversão, ainda quer marcar o aniversário de meio século de vida com uma prova de 50 quilómetros.