Ana Prates chama-lhe super-material. A cortiça é um jogo sem segredos para a fundadora da marca Sobro, nascida numa família com negócios na fileira do sobreiro.
No ateliê localizado no centro histórico de Leiria, na sombra da Igreja da Misericórdia, onde imagina objectos e mobiliário, fala de "propriedades infinitas" que "quase sugerem" os produtos a que dão forma, "desde o isolamento acústico à capacidade de resistência á compressão e á fricção".
Não lhe agrada tanto a moda das aplicações em tecido para o turista, prefere a função utilitária que emerge da interacção com a matéria-prima. "É o meu objectivo principal e é assim também que vejo a prática do design". Ou seja, uma disciplina que antes de mais responde a uma lacuna.
Assunto de família. Para a designer, os 42 anos são a idade de cuidar, em parceria com a mãe e o irmão, dos hectares de montado que possuem no Alto Alentejo. A família está na actividade há quatro gerações.
"Sinto essa responsabilidade e quero relacionar-me com a cortiça a partir do design. Comecei a perceber que podia ser essa a razão para a minha ligação desde sempre, mesmo quando estudava, com este material".
Na Sobro, a matéria- prima de eleição é o aglomerado natural de cortiça, um sub-produto da fabricação de rolha, que aproveita os restos da transformação industrial.
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De cadeirão no mercado. Registada em 2014, a marca baptiza três produtos: o cadeirão, a alcofa baloiço e o cesto para o pão (disponível em dois tamanhos). Com valores contemporâneos, assentes na simplicidade e na honestidade, ou seja, corpos geométricos elementares num contexto de artesanato urbano, em que a designer também assegura a produção.
"É bastante simples, tentei simplificar o processo produtivo e não escondo nada, está tudo à vista". Ana Prates está actualmente a trabalhar em novas versões dos modelos já comercializados, por exemplo, com desperdício de borracha para produzir o efeito de uma explosão de cor inscrita na cortiça.
Com vendas na internet, mas desenho no papel, que escolhe em detrimento do ambiente digital. "Aniquila- me um bocadinho o processo criativo e não me dá prazer nenhum queimar as minhas pestanas no computador". E avançando por tentativa e erro, "como se fazia à antiga", a prolongar o eco do ofício artístico, em que o contacto do criador com a matéria "é fundamental".
Natural de Lisboa, a viver em Leiria há oito anos, a fundadora da Sobro quer transportar para o projecto a mesma convicção que a levou a licenciar-se em Design Industrial na Universidade Lusíada: a ideia de que o designer "tem um papel fundamental, e às vezes imperceptível, no quotidiano das pessoas".
E que pode contribuir para mudar o mundo, para melhor, tornando-o, por exemplo, "mais sustentável".
Abater um sobreiro é abater um símbolo da portugalidade. O estatuto de árvore nacional aprovado na Assembleia da República em 2011 reconhece que o sobreiro representa a identidade portuguesa e que sustenta uma parte importante da economia e da indústria do País. Os projectos da Sobro pretendem resgatar o "património emocional e ancestral" ligado ao sobreiro, explorando a flexibilidade, a leveza e a plasticidade da cortiça. Na alcofa baloiço, a designer Ana Prates procura transmitir "a pausa e a tranquilidade do Alentejo", numa peça "fácil de transportar e bastante versátil", com conforto e segurança, que permite aos pais terem o bebé sempre por perto, "seja na sala, no quarto, no interior ou no exterior".