O que levou a Void a abrir uma filial nos EUA? As últimas políticas da administração Trump tiveram impacto na vossa operação?
O que se está a passar na administração, até justificou mais a decisão. Incorporámos a empresa em Janeiro de 2024, em Nova Iorque, porque já tínhamos um histórico significativo naquele mercado, com um representante, a trabalhar com base num acordo de agenciamento e, entretanto, assegurámos mais alguns acordos com outras pessoas e o volume de negócios cresceu noutros estados dos EUA. Temos clientes na Carolina do Norte, na Flórida, na Geórgia e no Texas, entre outros locais. A primeira startup com quem iniciámos um processo de venture building, é da Califórnia, de Venice Beach, que trabalha muito com estúdios de Hollywood. Entretanto, percebemos que precisávamos de mais proximidade com aquele mercado. A nossa motivação foi, essencialmente, comercial, para nos podermos apresentar como uma empresa norte-americana. Na Void Software LLC, não temos programadores porque é tudo feito em Leiria e escolhemos Nova Iorque por razões de percepção de marca. A abertura no mercado norte-americano enquadra-se numa estratégia de continuar a aumentar as exportações. Começámos a anunciar-nos como empresa apenas quando foi constituída a SA, em 2017, porém, já existíamos há dez anos. Nessa data, apostámos na internacionalização e começámos a crescer a um ritmo completamente diferente. Além dos Estados Unidos, focámo-nos na Suíça e no Reino Unido, mas vamos abrir também na Suíça este ano.
Escolheram esses mercados por serem extracomunitários?
Por serem extracomunitários e os indicadores de exportação serem mais interessantes, mas, acima de tudo, porque são mercados maduros a nível de inovação e de tecnologia. Trabalhar investigação e desenvolvimento (I&D), com tecnologias de ponta, não é adequado a qualquer mercado, uma vez que é preciso um certo nível de maturidade tecnológica da parte do cliente, para valorizar o serviço. A Suíça, país com um ecossistema financeiro muito forte, sempre teve tecnologias seguras e amadurecidas, além de fazer uma aposta grande na ciência e na tecnologia. Desde 2017, temos lá um cliente muito grande e ele desafiou-nos para estarmos presentes através de uma joint venture local.
Que outras apostas prevêem?
Neste momento, a aposta da Void é na defesa, o que implica certificações, formação e investimentos muito específicos na gestão da segurança da informação. Somos certificados pela norma ISO 27001 desde há dois anos [Segurança da Informação]. A Europa vai ter de canalizar os seus esforços de financiamento para a defesa. Temos de ser mais robustos e independentes das ajudas externas, principalmente agora que vimos que elas são mais voláteis do que pensávamos. O financiamento europeu para I&D será recanalizado para a defesa. Por algumas conversas que tivemos e o que ouvimos em conferências, como a SIM Conference – Porto, percebemos a importância de um ecossistema nacional de inovação para as Forças Armadas. Temos de ter empresas nacionais que dêem resposta, porque, se não formos capazes in house de ter soluções, poderemos ter problemas graves. A nível tecnológico, a Inteligência Artificial vai revolucionar muitas áreas da defesa, com o treino em soluções de simulação de ambientes de guerra, gestão de cadeias logísticas, de rastreabilidade, de protecção pessoal, de infra-estruturas de alojamento em zonas onde há pouca conectividade. Estamos a apostar num laboratório de sistemas embebidos e também temos crescido no hardware, que é uma área onde a defesa tem muitas necessidades. Estamos a trabalhar no uso civil, que pode ter interesse militar. Refiro-me ao consórcio INOV.AM, uma das agendas mobilizadoras do PRR, onde estamos a fazer software para impressão 3D em cimento, que permite construir abrigos autonomamente. Isto está a ser pensado para uso civil, mas não é rebuscado pensar na sua aplicabilidade militar.
A Void também apoia startups e já tem um portefólio de 15 empresas…
São 15 e temos algumas de fora de Portugal. O nosso investimento é feito em serviços, com desenvolvimento de software e de hardware. Identificamos uma empresa em fase embrionária, sem capital para criar o seu produto mínimo viável (PMV) e que não consegue angariar capital, por não ter nada palpável para mostrar. Procuramos oportunidades onde a ideia e os fundadores sejam fortes e com capacidade de levar o trabalho para a frente e onde a Void tenha experiência suficiente para garantir que o produto é bem desenvolvido. Quando estes astros se alinham, arriscamos fazer o PMV como investimento nosso, a troco de participação social. A primeira de todas onde aplicámos isto foi a tal startup de Los Angeles. Foi uma estratégia de entrada no mercado e isto acabou por permitir-nos fazer nascer um cliente. Aliviamos as startups da complexidade de gestão de recursos humanos e garantimos uma equipa técnica e eles focam-se no negócio. A startup mais famosa deste portefólio, é a Bhout, cujo fundador é de Lisboa. O Mauro Frota abordou-nos com uma ideia, quando ainda não tinha capital e precisava de uma prova de conceito. Criámo-la a troco de acções, ele levantou a primeira ronda de investimento e depois convencemo-lo a fixar-se na Startup Leiria. Participou num Demo Day, no Castelo de Leiria e, embora tivesse ficado em segundo lugar, entre o público, estavam investidores que gostaram da ideia e o abordaram. A seguir, lideraram a ronda de seed da Bhout, que é um recorde em Portugal, ao conseguirem 10,7 milhões de euros. A empresa encontrou aqui fornecedores para as espumas do saco de boxe inteligente, que está no centro da ideia de negócio, na Marinha Grande fizeram os moldes do suporte do saco, arrendaram um armazém nas Colmeias e é lá que os estão a fabricar. E é isto que queremos fazer com as outras. Temos mais algumas daqui na zona, por exemplo, a Fluxe Insurance Software, que desenvolve software para seguros e peritagem de sinistros automóveis, usando IA e visão computacional. Teve investimento da Olisipo Way que, quando fez o investimento, colocou como condição que a Void reforçasse a sua participação, porque garantimos que a startup tenha uma equipa grande a trabalhar com eles. Ainda não podemos assumir riscos muito elevados. Não somos um fundo, talvez um dia o sejamos…. ou podemos vir a ter uma parceria com um fundo, que é algo que já começámos a discutir.
Pensaram abrir em Lisboa?
Sempre quisemos puxar o máximo possível de negócios para o ecossistema local, porque com um ecossistema forte aqui, todos teremos mais robustez. Sou suspeito porque estive na fundação da Startup Leiria 2.0, contudo, quem me dissesse então que íamos ter todas estas startups incubadas não acreditaria. Temos mais de 120 empresas incubadas, temos muita gente, de fora do país, com capacidade de investimento, a vir para aqui porque foram criadas condições. Instalam-se no centro histórico de Leiria, que começa a ganhar outra dinâmica.
A autarquia de Leiria anunciou a aprovação de 3,5 milhões do FEDER para a criação de um hub tecnológico no topo norte do estádio municipal. Mas, ainda falta verba para os 18,3 previstos de custo total. Este processo, dado o seu potencial estratégico, deveria ter sido agilizado pelas entidades responsáveis pelo financiamento?
Com o que aprendi com as candidaturas a fundos europeus e com o PRR, já percebi que estamos emaranhados numa complexidade burocrática tremenda. O acto de navegar os mares de burocracia é cheio de armadilhas e de complexidades novas e não sei se me posso pronunciar sobre se foi muito ou pouco tempo. Mas, como dizem os chineses, “a melhor época para plantar uma árvore foi há 20 anos, a segunda melhor é agora”. Estrategicamente, é importante que tenha acontecido. Há empresas estrangeiras, que querem usar a Startup Leiria como plataforma de lançamento, mas a Startup não é uma agência imobiliária, embora a câmara tente arranjar soluções. Tenho a certeza de que houve já duas ou três multinacionais que se poderiam ter fixado cá. Elas vão para o Fundão e Covilhã, mas Leiria é melhor. Baptizámos a região como fullstack valley, que é o slogan da Startup Leiria, porque há oferta para o hardware, o software, recursos humanos, formação, logística, investigação, logística. Há tudo!
A Void lidera o consórcio Blockchain. PT, uma das agendas mobilizadoras do PRR. Como correu essa experiência?
Houve vários problemas no arranque e as entidades governamentais perceberam que o problema das agendas mobilizadoras foi ter consórcios tão grandes, com dezenas de empresas. O nosso tem mais de 50 entidades, com um investimento de 58 milhões de euros, dos quais, 44 milhões a fundo perdido. A coordenação deste consórcio já é um desafio em si, piorado com o facto de o Estado ser tão tardio a libertar fundos. Mesmo após cumprida a burocracia, a transferência demora a chegar e isso, para algumas, empresas é catastrófico. Estamos a falar de muitas startups que dependem daquele dinheiro para poderem programar seja o que for. Se é uma startup de três ou quatro pessoas que investiu todas as poupanças e viu a agenda como a forma de criar o produto, não pode estar à espera seis meses. Claro que o consórcio não as pode deixar morrer, porque estamos todos em solidariedade. A dada altura, geraram-se algumas situações dramáticas e isso foi exposto ao IAPMEI. Apesar de tudo, estas agendas trouxeram-nos convites do sistema científico, para integrar novos consórcios e desenvolver produto.
Qual é a vossa facturação?
No ano passado, os resultados chegaram aos 4,2 milhões. Houve um impacto importante dos PRR e a facturação em si, é mais ou menos metade desse valor, com um crescimento face ao ano anterior, resultado, iminentemente, da exportação. Pela primeira vez, estamos a criar produtos próprios, o que é um game changer para a Void, porque trabalhámos sempre em prestação de serviços para terceiros, o que, basicamente, é fazer produtos para outras entidades explorarem. Contudo, com o PRR estamos a fazer produtos para explorarmos. Dentro de um ano, começaremos a comercializar software e hardware. Vamos deixar de ser uma empresa só de serviços e ter produto. Isto terá um impacto positivo nas contas e o nosso balanço começará a reflectir o investimento em propriedade intelectual própria. Temos algumas patentes emitidas, colocamos aí expectativas de crescimento e temos a meta de, nos próximos três anos, duplicar a facturação. No caso da Blockchain.PT, estou a falar de uma plataforma de rastreabilidade para cadeias logísticas na agropecuária, mas também nas embalagens, transportes e por aí adiante. No hardware, temos o fabrico aditivo com base em cimento e temos uma plataforma que permite gerir equipamentos de hardware em ambiente industrial. Vamos começar a ter oferta para três áreas: rastreabilidade, gestão industrial e fabrico aditivo com base em cimento.