Num mundo absolutamente voltado para a permanente comunicação, para a sobre-exposição das vidas, para a absurda necessidade de tudo explicar, e de para tudo encontrar um motivo e um propósito, há palavras que de tanto serem usadas perdem o sentido. É o caso de “felicidade".
A busca intensa de sucesso pessoal e a importância que é dada a um perfil socialmente correcto fazem insistir na promoção de conceitos, atitudes e modos de pensar que prometem uma felicidade à medida, ignorando que o “porque sim”, sem grandes explicações, é provavelmente a fórmula mais simples para a pensar e viver.
Se a alegria é um estado inequívoco, uma emoção claramente identificável na atitude física em que se traduz, tanto por quem a vive como por quem a reconhece nos outros, a felicidade é uma espécie de mistério pessoal, secreto e intransmissível, que jamais deveria ser perguntado e só muito raramente explicado.
Mas muitos desconhecem a diferença, e por isso se sentem infelizes sempre que nada de emocionante lhes acontece por um longo período, confundindo felicidade com coração a bater acelerado, respiração alterada, gritinhos instintivos ou esbracejar involuntário. A alegria é uma emoção, e portanto uma resposta cerebral e instintiva a um estímulo, traduzida no corpo, e que durará apenas o tempo que esse estímulo durar.
A felicidade é o sentimento que vive “por detrás” da emoção e se traduz na sua interpretação mental, no pensamento do facto, a integrar num vasto conjunto de outros pensamentos e memórias mais antigas, e aos quais podemos voltar sempre que os quisermos invocar.
Sentirmo-nos felizes é portanto uma sensação recorrente, já que não o sentimos em todos os momentos, embora a felicidade possa ser um estado permanente.
Para Freud, a felicidade é um problema individual, dependente do nosso pensamento e crescimento interior; para Einstein é a capacidade de lidar com os problemas, e não a sua inexistência; para Voltaire, [LER_MAIS] a procura da felicidade significa jamais conseguir encontrar algo que já se tem; para Thomas Mann a felicidade consiste em harmonia e serenidade e na consciência de uma finalidade da existência decidida pelo espírito; para Drummond de Andrade, a felicidade é ser feliz sem motivo algum; e para Erico Veríssimo, é a certeza de que a nossa vida não se vai passando inutilmente.
Tantas serão as respostas quantos forem os inquiridos com a consciência de serem felizes. Ser feliz é um sentimento, cheio, redondo, sem razão aparente, um “porque sim” que se constrói preservando memórias, retirando o melhor de cada acontecimento, coleccionando uma miríade de pequenos nadas que um dia se terão transformado num todo suave e sólido a servir de cenário à vida, maravilhando-nos com as simplicidades quotidianas, e abrindo muito espaço para os outros, em nós.
Talvez a felicidade seja “apenas” a capacidade de reconhecer e preencher o espaço e a oportunidade que nos dá a vida para sermos o que queremos e precisamos de ser.
A felicidade está toda dentro de nós, pesem embora todos os sofrimentos, tristezas, e desencantos.
*Professora de dança